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Tradição e modernidade no asfalto

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O Ceará remodela o jeito de brincar maracatu e recria sua própria cultura de simbolismos, com muito brilho, ritmo e cores fortes na avenida

Isabela Gomes

“[…] Me leva, meu bem, me leva pro Maracatu […]”

Este é o pedido contido nos versos da loa do Maracatu Solar – uma das muitas agremiações existentes no estado – um convite para conhecer essa tradição do Carnaval no Ceará, que ganhou força ao longo dos anos e, em 2015, tornou-se patrimônio imaterial de Fortaleza. Considerado uma tradição folclórica brasileira, o maracatu traz em seu DNA a exaltação à ancestralidade negra, seja através dos batuques, que faz referência a religiões de matriz africana ou pela dança carregada de simbolismos e histórias.

Apesar de Pernambuco ser considerado o berço do maracatu no Brasil, foi na terra da luz que a tradição ganhou novas roupagens. Com timbres diferenciados, de acordes lentos e cadenciados, característicos do maracatu do Ceará, que anualmente ganha a Av. Domingos Olímpio com suas cores vivas, plumas e brilhos em seus cortejos majestosos.   

O ano de 1936 é tido como marco do surgimento do maracatu no Ceará, com a criação do Maracatu Az de Ouro, pelo brincante Raimundo Alves Feitosa. Entretanto, há registros do final do século XIX feitos por cronistas, sobre o maracatu no Ceará, que relataram sobre grupos que participavam dos Entrudos, evento precursor do Carnaval.

Não se sabe ao certo se os grupos eram oriundos de terreiros ou das casas de práticas de religião de matriz africana, é de certo, porém, que o maracatu se incorporou ao carnaval como forma de resistir às oposições, por seu ritmo e musicalidades estarem associados a religiões de matrizes africanas. A primeira agremiação criada em terras alencarinas, o AZ de Ouro, chega com forte influência do carnaval, como elementos das escolas de samba dos desfiles carnavalescos e sem uma associação direta com a religiosidade.

Singularidade do maracatu cearense

O cantor e compositor Pingo de Fortaleza, 58, pesquisador, produtor cultural e coordenador geral do Maracatu Solar, explica as características do maracatu radicado no Ceará. “O maracatu cearense tem uma rica diversidade rítmica. Ele vai se diferenciar por vários elementos estéticos, pelo uso de fantasias mais pesadas, vinculadas ao desfile das escolas de samba, pelo uso do negrume”. Traços singulares presentes nos cortejos do Ceará, tais como a corte, calunga, balaio, ferro de maracatu e o negrume, são o que o torna diferente das formas de manifestação de Pernambuco.

Casal de rei e rainha na avenida. Eles são acompanhados de príncipes, princesas e demais personagens que componham a Corte Real (Foto: Thiago Matine/ Secultfor)

O negrume, particularidade cearense, é algo que divide opiniões. Sobre essa tradição, Pingo entende que a pintura é uma questão que ele aborda até em seus livros, e coloca o questionamento em relação ao uso dela como afirmação étnica. “Essa pintura é usada basicamente com vários materiais, sempre com o uso de uma segunda pele, uma camisa de malha fina que fica sob outras fantasias e uma luva.” Ainda sobre o negrume, Pingo de Fortaleza prossegue: “Ele só pode ser aceito por uma questão estética ou como uma tradição, mas nunca como afirmação ou reafirmação da presença negra”. E define: “a gente pode compreender o negrume como uma massa estética”. Um fato interessante sobre o Maracatu Solar, coordenado por Pingo, é que há mais de 10 anos não é usado o negrume em seus desfiles, pois eles acreditam que a marca essencial do maracatu não está na pintura.

“Ele só pode ser aceito por uma questão estética ou como uma tradição, mas nunca como afirmação ou reafirmação da presença negra”

Pingo de Fortaleza

Paixão e tradição na avenida

Guiados por suas loas, canções criadas a partir do tema escolhido, os desfiles seguem em cortejos com seus elementos simbólicos, que se manifestam por meio das mais diferentes linguagens, como a dança, música e o teatro. A graduanda em Dança pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e brincante do Maracatu Solar, Érica Vieira, 34, revela o sentimento de estar na avenida, representando a figura imponente da rainha. “A sensação é única e também é muita responsabilidade. Desfilo e represento ali Nzinga Mbandi, uma rainha guerreira de Angola, um dos grandes símbolos que existem no cortejo. Sinto que é uma responsabilidade imensa. Ali estamos carregando muita história, história de luta de um povo que luta e resiste até os dias de hoje”.

 Batuqueiros dão o ritmo cadenciado, uma característica forte do maracatu do Ceará (Foto: Thiago Matine/ Secultfor)

Érica, assim como todos que fazem parte desta celebração, lamenta o fato de não terem desfilado na avenida este ano. “Está sendo difícil para todos. Todos os grupos de cultura popular têm sofrido muito também. É a primeira vez que não realizamos o cortejo tradicional. Parece que o ano não começou direito, falta alguma coisa.”

“É a primeira vez que não realizamos o cortejo tradicional, parece que o ano não começou direito, falta alguma coisa”

Érica Vieira

Ainda refletindo sobre a importância dessa manifestação cultural, o cantor, compositor, produtor cultural Calé Alencar, 67, e um dos idealizadores do Maracatu Nação Fortaleza, ressalta a valorização do maracatu pela cidade. “É preciso que exista uma política, um conjunto de ações, que promova a salvaguarda deste bem, reconhecido como patrimônio imaterial. Uma política que pense em sua preservação, manutenção, no estímulo para que outros públicos sejam atingidos por essa manifestação cultural.” Apesar de toda mídia gerada em torno dos desfiles de Carnaval e programações durante o ano, Calé considera que ainda há muito a caminhar.

Para o músico, o maracatu transcende a importância de uma manifestação cultural. “O maracatu realmente é a minha vida, porque foi algo muito importante para mim na descoberta de outros valores”. Segundo Calé, o maracatu o levou a conhecer e pesquisar a história dos negros no Ceará, danças tradicionais tão próprias da região, com características singulares, deixadas por antepassados. “O maracatu me ajudou a descobrir, a perceber e conhecer muitas histórias da minha vida, que nem eu mesmo imaginava, e isso é só me fez crescer como ser humano”, revelou o cantor, ao destacar que o batuque lento e suas danças, recriam e ajudam a conhecer histórias dos nossos antepassados.

SERVIÇO

Maracatu Solar

Onde: Av. da Universidade, 2333 – Benfica

Horário:  Seg. a Sex. – 8h às 17h

Rede Social: @maracatusolar

Tell: (85) 3226-1189

Maracatu Nação Fortaleza

Onde: Rua Samuel Uchôa, 550 – quadra do Colégio Dom Manuel

Horário: quartas, sextas e domingos, de 19h às 21h30

Site: www.nacaofortaleza.com

Rede Social: @nacaofortaleza

Tell: (85) 98890.1317 / 98863.4321

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