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Promessa de chuva ao olhar o sertão

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Texto, Uni7 Informa

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O grupo de profetas usa a experiência de observação da natureza como meio de ler o futuro quadro chuvoso no Ceará

Ítallo Alcântara

Com a falta de acesso à informação sobre instituições meteorológicas, como a Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos), um grupo de sertanejos cearenses começou a observar a natureza para prever como vai ser o inverno no ano seguinte. Em janeiro deste ano, eles se reuniram para o 25º Encontro dos Profetas da Chuva de Quixadá. Observador da natureza, o profeta da chuva e agricultor, Renato Lino, explica que os sinais podem ser o cumaru e a catingueira descascando; o pé de aroeira e até a casinha da maria-de-barro. “Se ela abrir a entrada da casinha pro lado nascente do sol (leste), pode ter certeza, não vai ter inverno bom.”

Helder Cortez, de óculos, observa apresentação de pesquisa que usa plantas da caatinga [Foto: Helder Cortez]

Renato Lino é um dos muitos agricultores que se reúnem todos os anos, religiosamente no segundo sábado do mês de janeiro, para discutirem os resultados de suas pesquisas e montarem um cronograma da quadra chuvosa. Lurdes Leite, mais conhecida como Lurdinha, é a única mulher profeta a participar do encontro. Ela herdou a técnica de observar a natureza de seu pai, e até hoje mantém a tradição. E garante: todas as suas previsões são exatas.

Todos os anos, no dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, Lurdinha faz uma experiência que aprendeu com o pai. “Espalho sal grosso em uma tábua com o nome dos meses do ano todo e deixo parado por um dia. No outro dia, vou ver como ficou. Se o sal tiver molhado toda a tábua, é inverno carregado; se for só em alguns meses e outros não, é sinal de inverno irregular, significa que vai ter chuva em uns cantos e outros não”, explica a aposentada.

Lurdinha comenta ainda que, por ser mulher, muitas vezes foi desacreditada de suas pesquisas. “Faço essa experiência todos os anos mas, em 1964, eu fiz e disse pro meu marido e meu sogro: ‘não plantem nas vazantes do Banabuiú que vocês vão perder os legumes’. Eles disseram que eu não sabia era de nada. Mesmo assim meu sogro não plantou, só o meu marido.” Naquele inverno, Lurdes afirma que o açude de Banabuiú encheu e matou toda a plantação. “Achei graça, mas também fiquei com pena. Depois disso, meu marido nunca mais desacreditou de mim”.

Faço essa experiência todos os anos (…) Eles disseram que eu não sabia nada

Lurdes Leite

Os profetas da chuva herdaram dos pais essa observância à natureza. O olhar clínico sobre as plantações, nuvens no céu e até mesmo as cascas das árvores foram necessários para que se preparassem ano a ano, já que as informações de instituições meteorológicas, como a Fundação Cearense de Meteorologia, não chegavam até eles. No entanto, as previsões dos profetas da chuva e da Funceme, não se anulam.

Helder Cortez, profeta e diretor da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), destaca que até mesmo técnicos e pesquisadores da Funceme participam dos encontros anuais dos profetas da chuva. “As pessoas acham que nossas previsões são anuladas pela fundação, e isso tem que acabar. Somos parceiros e tudo o que observamos, passamos aos nossos colegas, para que assim eles possam nos ajudar”. Os encontros acontecem há 25 anos, na cidade de Quixadá, no Sertão Central cearense.

Os encontros dos profetas, quando presenciais, têm cobertura de vários meios de comunicação [Foto: Helder Cortez] 

Helder, um dos idealizadores e organizador do encontro, explica ainda que as reuniões têm quatro objetivos principais. “Primeiro, a gente quer resgatar a cultura popular, que aos poucos está se acabando; em segundo lugar, o encontro não é só dos profetas, mas de todo mundo que quiser assistir. É uma confraternização dos sertanejos. Terceiro, queremos prestigiar a cidade de Quixadá; e, por último, as previsões e discussões dos estudos de cada um dos colegas.”

“A gente quer resgatar a cultura popular, que aos poucos está se acabando”

Helder Cortez

Muitas obras literárias e cinematográficas já foram feitas sobre esse grupo de profetas da chuva. Helder Cortez comenta que existem, no mínimo, cinco livros e dois filmes. “Nossa vontade é entrar pra história, porque um dia isso aqui vai se acabar, e a gente quer ser lembrado desse jeito: ‘lá no sertão do Ceará existiam uns homens conhecidos por profetas da chuva. Eles observavam tudo da natureza ao redor e sabiam dizer com precisão quando ia haver chuva e quando não ia haver.”

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