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PATRIMÔNIO HISTÓRICO: A DESCONSTRUÇÃO DESSA HERANÇA NA CIDADE DE FORTALEZA

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Fatores, consequências e possíveis soluções para esse problema na capital cearense

Edifício São Pedro, antigo Iracema Plaza Hotel, inaugurado em 1950.

Com 296 anos de existência, a cidade de Fortaleza possui um patrimônio histórico e cultural rico e diverso. A capital cearense frequentemente figura entre os pontos de maior procura dos viajantes, sendo a quinta cidade do Brasil mais procurada por turistas para o verão de 2022 segundo levantamento divulgado pela empresa de viagens MaxMilhas. No entanto, a grande diversidade natural e o calor durante todo o ano, tornam a capital cearense muito mais procurada pelo turismo de Sol e Praia do que pelos aspectos históricos e arquitetônicos da cidade. 

Um grande fator que afasta os turistas de um aprofundamento nos aspectos históricos e culturais da cidade alencarina é a falta de preservação de seu patrimônio histórico. Nas últimas seis décadas, Fortaleza perdeu pelo menos 15 imóveis históricos na Cidade, entre tombados e não tombados, conforme levantamento do O POVO realizado em agosto de 2021. Muitas foram as edificações perdidas que deixaram de embelezar a cidade como o Casarão dos Gondins, o Palácio do Plácido, a Mansão Macedo, o Boteco Praia, entre outros.

É importante destacar também que o abandono e o esquecimento dessas edificações históricas empobrecem a vista da cidade, além de trazerem também riscos à população como o colapso ou a queda desses edifícios. O melhor exemplo disso é o Edifício São Pedro, que quando inaugurado, em 1950, passou a ser conhecido por sua arquitetura exótica inspirada em hotéis de luxo de Miami, frequentemente comparado a um navio, além de ter sido o primeiro edifício de mais de três andares a ser construído na Praia de Iracema. Hoje em dia, o luxuoso hotel deu lugar a um cenário de abandono e risco iminente de queda.

Atualmente muitos pontos turísticos sofrem com essas condições, como por exemplo a Ponte dos Ingleses, na praia de Iracema, que está fechada desde 2018 e tem previsão de inauguração apenas em 2023. A construção está em estado de degradação, com sua estrutura totalmente desmontada. Ainda pela orla de Fortaleza, outro ponto que chama atenção e também sofreu as causas desse abandono é a estátua Iracema Guardiã, um dos principais pontos turísticos da orla de Fortaleza, que desabou no início de maio de 2022 e depende do aval da família do escultor para ser restaurada.

Além desta, existem ainda outras duas estátuas em referência a obra de José de Alencar, uma na Messejana e outra no Mucuripe, que também carecem de reparos há um bom tempo. Isso demonstra a falta de cuidado público com essas heranças.

Para falar melhor sobre isso, conversamos com o Turismólogo e educador Gerson Linhares, que desenvolve projetos de educação patrimonial na cidade de Fortaleza há 27 anos. Dentre esses projetos estão o Museu do Caju,, onde foi fundador e diretor, o programa Fortaleza a Pé, em atividade desde 1995, a agência Tribos Turismo, especializada em turismo cultural, entre muitos outros .

Araújo Neto: Qual a importância desses patrimônios para a manutenção da memória viva da cidade de Fortaleza? 

Gerson Linhares: O patrimônio histórico arquitetônico, a memória de uma cidade, de um local, é importantíssimo para qualquer cidadão antes de tudo. Então é um exercício de cidadania a gente conhecer, antes de tudo, a nossa história e é uma obrigatoriedade do Poder Público Estadual, Municipal e Federal apoiar ações de educação patrimonial para que esse patrimônio permaneça entre os visitantes e também, principalmente, com os cidadãos. Então, a importância principal disso é essa perpetuação da identidade de um povo.

A.R: Na sua visão, a pouca procura pelo turismo histórico cultural em nossa cidade é recente?

G.L: A pouca procura pelo patrimônio histórico, pelo turismo cultural, na cidade de Fortaleza não é de hoje. Isso vem há tempos. Desde a década de 70 nós tivemos alguns ensaios do turismo cultural aqui na cidade na época do Governador César Cals. Depois disso houve um descaso, realmente, só tivemos depois na década de 90, com o Prefeito Juraci Vieira de Magalhães. De lá pra cá, a gente não teve realmente o interesse em desenvolver uma política pública de preservação do patrimônio histórico e também de incentivo ao turismo cultural. Existem sim alguns ensaios que são feitos por alguns agentes particulares como ONGs e alguns profissionais, mas na realidade o poder público ainda falta para preservar e divulgar seu patrimônio histórico arquitetônico… a sua memória em si.

A.N: A falta de conhecimento da própria população sobre a história de Fortaleza torna mais “comum” que esses bens materiais sejam esquecidos ou destruídos? 

G.L: A manutenção desses espaços, dessas edificações antigas, em sua maioria de propriedade dos particulares. Então, eu creio que o Poder Público através das Secretarias de Turismo e Cultura deveriam fazer esse levantamento do patrimônio histórico. Fazer esse inventário turístico, cultural e ambiental do que nós temos ainda de pé. Para isso criar uma política pública mais séria de preservação e manutenção desses espaços. No tocante, poderia ser feita também uma parceria pública privada, que é feita na maioria das capitais brasileiras e que tem dado sucesso. Acho que é a união de tudo. Principalmente, também, investir mais em educação patrimonial. O cidadão é muito mau educado, picha demais, degrada demais o patrimônio público.

A.R: Dá para achar um motivo para essa desconstrução histórica da cidade como é o caso do Edifício São Pedro, as estátuas de Iracema, entre muitos outros? 

G.L: Em relação ao São Pedro, parte também dos herdeiros, da família, a questão da sensibilização, a questão da cidadania em si e o compromisso com a cidade em si. Acho que todos tem que ter esse olhar. Eu creio que essa valorização tem que partir do próprio proprietário, da pessoa que é dona da edificação e o Poder Público também tem sua responsabilidade em orientar, em assistir de alguma maneira, em dar uma consultoria e ver de que forma a gente poderia resolver alguns problemas de algumas edificações antigas que merecem sim essa preservação. Então, o cidadão realmente esquece muito rápido a sua memória. Infelizmente, Fortaleza hoje não é mais como antes…a Fortaleza do século 18, século 19 e século 20 mudou bastante. Antigamente existia mais civilidade e mais educação.

A.R: O que pode ser feito para evitar essa desconstrução do patrimônio histórico de nossa cidade? 

G.L: A falta de preservação é gritante. As Secretarias de Turismo nas três esferas do poder tanto Municipal, Estadual e Federal não conseguem olhar o patrimônio como um gancho para o turismo cultural, que é um turismo mais sustentável. Então isso é gritante em todas as capitais brasileiras, não é só Fortaleza. Em todas as capitais a gente tem esse problema da falta de preservação do bem público. Também esse falso desenvolvimento acarreta sim na destruição desse patrimônio, às vezes proposital. Se destrói um prédio histórico para a construção de um estacionamento e assim vai. Então, infelizmente, existe um acordo, parece, da destruição do nosso património das nossas memórias… infelizmente.

A.R: Para você, existem meios para o desenvolvimento da cidade sem haver o perecimento do patrimônio histórico? 

G.L: Existem várias formas de uma cidade crescer. Preservar o antes, o que existia antes, e se quiser miamizar (em referência a cidade de Miami-EUA) a cidade ou um destino, pode fazê-lo. Mas contanto que preserve seu patrimônio histórico, deixe seu patrimônio histórico de pé. Isso é questão de respeito, isso é questão de cidadania. Então, infelizmente, quase todas as capitais brasileiras estão passando por isso. Está sendo destruído o antigo em detrimento do novo, infelizmente. Então é criar realmente, tudo passa pela política, então criar uma política pública de preservação, até de incentivo. Incentivar os proprietários que têm essas edificações antigas, que isenção de imposto, IPTU, coisas desse tipo, até mesmo reforma e restauro de fachadas. Tudo isso pode ser feito em parceria também com as empresas particulares que muitas delas gostam de atrelar sua marca à preservação de um bem público, tanto natural como cultural.

A.R: Como o cidadão pode começar a ter mais conhecimento sobre esses pontos históricos muitas vezes deixados de lado? 

G.L: Existem vários projetos de educação patrimonial que são feitos por (órgãos) particulares com profissionais. Nós citamos até o nosso exemplo o “Fortaleza à Pé”, o projeto mais antigo da cidade de Fortaleza de caminhadas culturais. Nós temos ao longo da nossa história de cerca de 27 anos mais de 15 projetos de educação patrimonial. Mas, infelizmente, a gente não consegue colocar nossos projetos dentro das secretarias afins. Principalmente, a Secretaria da Educação que era para trabalhar muito bem isso. E outra secretaria também a Secretaria da Cultura, que deveria sim adotar, já que não tem uma política pública, já que não tem profissionais para isso, contratar essas ONGs, esses profissionais, para desenvolver essas ações patrimoniais, principalmente, nas escolas públicas. E também fazer um trabalho nas escolas particulares, desde a educação infantil até o ensino universitário. 

A.R: E em relação ao turista, como Fortaleza pode começar a trazer o interesse desses viajantes para uma aproximação histórica cultural com a cidade? 

G.L: O turista, coitado. Há mais de vinte anos o turista é refém das principais agências de viagem, das operadoras aqui em Fortaleza. Operadoras essas e a maioria dessas agências de viagem não tem preocupação nenhuma com valorização do nosso patrimônio histórico, cultural e ambiental. Infelizmente, é o ganho pelo ganho. É incentivar o turismo de lazer, que é o turismo de Sol e Praia, e eles ganham mais dinheiro com isso em parceria com os empresários também, que a maioria não são de Fortaleza, a maioria desses empresários vem de fora, até do estrangeiro, e que se colocam numa posição como donos do turismo. Infelizmente, o que acarreta é o turista sair da cidade de Fortaleza sem nenhum referencial cultural. É lamentável isso. Eu trabalho com turismo há mais de trinta anos e esse turismo não muda, infelizmente. A gente tá tentando ver com a Secretaria de Turismo, tanto do Município como do Estado, fazer com que a gente mude esse perfil, mas é muito complicado a gente conseguir sensibilizar o Poder Público. Do ano passado para cá, a gente só teve uma boa parceria com a Secretaria de Turismo, a SETFOR, porque tem a frente um secretário que tem pelo menos uma visão patrimonial, uma pessoa que conhece praticamente o mundo inteiro, já viajou muito e sabe que o turismo cultural realmente atrai visitantes. 

A.R: Por fim, queria saber se você tem indicações de bons locais históricos para se visitar? 

G.L: Eu sempre indico, tanto para os cidadãos como para os turistas, o Centro Histórico. Eu poderia indicar o marco zero da cidade de Fortaleza, seria a Barra do Ceará, mas praticamente a Barra não tem mais nada. O que restou, graças a deus, foi o lindo pôr do sol, praticamente. Mas o resto não existe mais nada, nem mesmo as antigas ruínas das fortificações eles não têm esse interesse em resgatar, porque poderia ser feito isso se fizesse um trabalho de arqueologia. Então, eu indico sempre o Centro Histórico, que é o bairro que concentra o maior número de edificações antigas, são mais de 200 edificações antigas só naquele quadrilátero entre a avenida Dom Manuel, Imperador e Duque de Caxias. Então, eu sempre indico, tanto é que as nossas caminhadas culturais saem da Praça do Ferreira todos os sábados pela manhã. Então é um trabalho de labuta, de luta em prol da educação patrimonial e pelo incremento do turismo cultural na cidade de Fortaleza. Então, eu creio que o Poder Público precisa se unir ao poder particular, as empresas, e precisa chamar um terceiro setor, chamar os profissionais da área de turismo, de geografia, de história e das áreas afins. Eu acho que a gente poderia crescer muito se eles pudessem nos escutar. Infelizmente é o que não acontece, mas quem sabe um dia isso mude. Não sei se vai mudar, mas a gente sempre fica na esperança. 
Texto: Araújo Neto (Jornalismo/ Uni7)

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