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O coração do Ceará no Cariri

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Em Nova Olinda mora um homem que incorpora todas as idiossincrasias cearenses da moda: mestre Espedito Seleiro. O artesão recorda fatos da sua vida, a trajetória como artista e a relação de suas obras com a cultura do Estado e da cidade onde vive

As obras do mestre Espedito Seleiro se tornaram peça-chave da cultura cearense, sendo resultado vivo dos costumes e hábitos do sertão nordestino. Hábitos e costumes representados por meio das cores vivas, dos materiais rústicos e das representações do imaginário cearense pela moda. Principalmente, a cultura do cangaço. 

De acordo com Patrícia Liebmann, coordenadora da Central de Artesanato do Ceará (CeArt), o mestre Espedito está ligado, em suas raízes, ao movimento de reconhecimento de nossa identidade artístico-cultural. “Com seu ofício, ele fala do seu modo de vida e do modo de vida do seu tempo e do seu lugar, da história da sua família, que se confunde com a história do sertão cearense”. É possível dizer que suas obras são parte do coração do Ceará. Coração que ele faz questão de estampar em cada uma de suas peças porque, segundo o mestre, são feitas de todo o coração. Essa simbologia vem do contato do artesão com os cangaceiros, que se tornaram fãs dos corações desenhados pelo artista.

Mas, no início de tudo, está o berço do seu Espedito: o Cariri. De acordo com a museóloga Gabriela Siqueira, diretora do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), o artesão “conhece de perto a cultura do gado, dos vaqueiros e do couro (…) e fala, por meio de sua arte, de um lugar que é dele por natureza e cabe a nós, pesquisadores e apreciadores, sentar, ouvir, sentir e respeitar sua história e sua trajetória”. 

Mestre Espedito Seleiro durante a confecção de uma de suas obras [Foto: Irenilda Martins Carvalho]

Orgulho da trajetória

Ao falar sobre o impacto do seu trabalho na região, o mestre se orgulha de sua trajetória, baseada no esforço e na acessibilidade de suas obras, além de trespassar a história do estado. “Comecei a trabalhar pra vaqueiro, pra cigano, pra tropeiro, e, como acabou esse pessoal, transformei em uma arte que todo mundo pode usar, seja pra novela, pra desfile, pra filme, ou usado por padre, por doutor, por enfermeiro, é só me pedir que eu faço”. 

São 81 anos de vida, 73 deles devotados ao aperfeiçoamento deste ofício. Mesmo após todo esse tempo, o mestre Espedito ainda lembra de sua primeira obra, um baú, “pequeninho”, como o caracteriza, que foi dado de presente à mãe dele, sendo preservado por ela até o seu falecimento. A peça, feita por ele aos 8 ou 9 anos, voltou ao domínio do artesão, dessa feita como um memorial para a mulher que o trouxe à vida.

No cerne das obras do artista está o trabalho em família, resultado de gerações de apaixonados pela modalidade. Espedito relata que faz parte da 5ª geração de artesãos da família e, ao relembrar a carreira, é impossível não mencionar a influência que teve do pai. “Eu já nasci dentro da profissão, né? Nasci dentro do artesanato, porque meu pai era artesão, a família todinha, comigo já são cinco gerações. Aí, se nasci dentro da profissão, já comecei trabalhando desde novinho, peguei o gosto pela arte”, declara o mestre. 

Gosto este, inspirado, principalmente, pela sensação única de estampar a cultura de Nova Olinda, a 510 km de Fortaleza, no Cariri. Questionado a respeito das celebridades que vestiram a suas obras, Espedito é curto e direto: “Pra mim, não há diferença se a pessoa é famosa ou não, todos que vestem as minhas obras são celebridades”. Bom, celebridade ou não, o fato é que as peças produzidas pelo artesão ganharam fama nacional e internacional. Só as de vestuário já foram usadas em passarelas, tanto de Fortaleza, no Dragão Fashion Brasil, quanto na maior cidade do país, durante a São Paulo Fashion Week. Segundo o mestre, as obras foram adquiridas por pessoas que viajavam o Brasil e o mundo, e assim, o “boca a boca” levou as criações da região carirense aos olhos de estilistas reconhecidos internacionalmente.

Cultura regional

Mas, é na cidade do Cariri que a magia ocorre. A cultura regional é de grande influência para o artesão, que devolve essa influência e se torna parte da cultura que o inspira. Gabriela Siqueira explica que “seu Espedito aprende o ofício em casa e insere padrões que lembram/rememoram a cultura moura por meio de seus arabescos e rendados e suas cores vibrantes e fortes”. Ela continua: “penso que este diálogo entre sua ancestralidade e o mundo moderno estabelece o padrão Espedito Seleiro, desejado pelos mais diversos mundos e nichos do design de mobiliário e da moda”.

 Em comemoração ao “Dia do Artesão”, o mestre Espedito Seleiro recebeu uma placa em sua homenagem [Foto: Irenilda Martins Carvalho]

Ao falar do impacto de suas obras em sua cidade natal, o mestre ressalta o espírito de comunidade que tem com os artistas da região, influenciados por suas obras. “Quem começou primeiro foi eu, e tem o pessoal que trabalha, faz parecido com as minhas, e eu ajudo. Acho que a cultura de Nova Olinda começou com Espedito Seleiro”, destaca ele. Seguindo os costumes da região, o artista levanta bem cedo e dedica todo o seu tempo ao trabalho na oficina/atelier. Para ele, essa tradição é uma herança que vive no sangue dele, filho de artesão e cangaceiro. “É uma classe de gente que não pode dormir muito, tem que acordar cedo”, reforça.

Para Patrícia Liebmann, o que faz os trabalhos do seu Espedito se destacarem no cenário fashion brasileiro é o resgate de elementos do passado histórico do estado, de forma que eles se adaptam ao atual contexto. “Sua vida e obra estão entranhadas na história do Ceará rural, porque têm, na trajetória familiar, a história do vaqueiro, pai e avô”, reforça. 

E, apesar das memórias e de todo o histórico pessoal e cultural do estado que sua arte carrega, é com o pé na modernidade que seu Espedito continua trabalhando. “Comecei com 8 anos, né? E eu já tô com 81 e não deu vontade de parar ainda”, finaliza com sabedoria.

“Penso que este diálogo entre sua ancestralidade e o mundo moderno estabelecem o padrão Espedito Seleiro”

Gabriela Siqueira

Serviço:

Museu do Ciclo do Couro

R. Monsenhor Tavares, 318, Nova Olinda – CE, 63165-000

E-mail: [email protected]

Instagram: @espeditoseleirooficial

WhatsApp: (81) 99413-4530

Artesol: https://www.artesol.org.br/Mestre_Espedito_Seleiro

Mercado Colaborativo: https://mercadocolaborativo.com.br/espedito-seleiro/

Yuri da Silva

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