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LIBERDADE: 133 anos da abolição da escravatura no Brasil

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Apesar dos avanços e das conquistas sociais, o Brasil ainda é um país desigual e racista.

A abolição da escravidão é celebrada nessa quinta-feira(13). A data faz referência ao dia 13 de maio de 1888, data em que a Princesa Isabel do Brasil, sancionou a Lei Áurea e tornou ilícita a prática da escravidão. No entanto, os desdobramentos sociais herdados do período escravocrata se fazem presentes até os dias de hoje. A sociedade brasileira, ainda que moldada por uma mistura de povos e culturas, guarda em seu processo histórico de construção, uma história de exploração e racismo que se faz presente até o dias atuais, evidenciada no vocabulário popular, no mercado de trabalho e nas interações sociais, dando vida a um apartheid social.

Reflexo disso é visto em pesquisas como as produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) no ano 2011 que constatou que 63,7% dos brasileiros acreditam que a cor ou raça influencia na qualidade de vida de um indivíduo no Brasil;  pela Pesquisa Mensal do Emprego de 2015, que mostrou que os trabalhadores negros ganharam, em média, 59,2% do rendimento que os brancos, e isso pode ser explicado pela diferença de oportunidades de estudo de qualidade,  existentes entre a população branca e negra.

Esse fato é reforçado pelo estudo de 2018  “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”. De acordo com este estudo,a taxa de analfabetismo entre a população negra era de 9,1%, cerca de cinco pontos percentuais superior à da população branca, de 3,9%. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), também do IBGE, o percentual de jovens negros fora da escola chega a 19%, enquanto a de jovens brancos é de 12,5%.

Os dados expõem uma realidade dura que persegue a nação brasileira desde os primórdios de sua formação, pois mesmo representando a maior porcentagem da sociedade, a maior parte da população negra foi colocada em uma situação diferenciada.

Luta Histórica

No Brasil, do período colonial até a era republicana, foram necessárias muitas batalhas para acabar com a prática escravocrata. A população negra se organizou em diversas lutas e atos de resistência, e diferentes regiões do país foram palco de batalhas  contra os colonizadores. 

Lutas históricas foram travadas nos famosos Quilombos, locais caracterizados como de resistência negra contra a escravidão, além das batalhas, como a Conjuração Baiana ( 1798), a Balaiada ( 1838) e a Greve dos Jangadeiros (1881), onde chefiados pelo lendário “Dragão do Mar”,  oe negros paralisaram o mercado escravista no porto de Fortaleza nos dias 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, acelerando o fim da escravização formal no estado do Ceará, ocorrida 1884.

Direta ou indiretamente, todas as lutas contribuíram para o gradual fim da escravidão no Brasil. Antes do fim, em 1888, outras leis antecederam a libertação dos escravos.  A Lei Eusébio de Queirós (1850) proibiu o tráfico de escravos em “navios negreiros” vindos da África. A Lei do Ventre Livre (1871) considerou que filhos de escravos não seriam considerados escravos a partir daquele ano e a Lei dos Sexagenários (1885) culminou na libertação de escravos com idade acima de 60 anos.

 Logo após a instauração da Lei Áurea, a população negra foi libertada, mas  jogada às margens da sociedade. Sem direitos e forçados a um cotidiano de subalternidade, foi iniciado nesse período um processo de marginalização social da população negra, fator que contribuiu para o atual problema de desigualdade social brasileira que atinge em sua maioria pessoas negras e periféricas.  

O retrato da desigualdade racial e social no Brasil se traduz em dados estatísticos.  De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial são pretas ou pardas. O exemplo mais recente dos dados da pesquisa são comprovados pelos acontecimentos em Jacarezinho, bairro pobre da zona norte do Rio de Janeiro, onde vidas negras foram perdidas durante um ato de violência policial. 

Conjuração Baiana (1798)
Balaiada (1838)

Ceará

O estado do Ceará foi o primeiro no Brasil a abolir a escravidão. Na época, 1884, o Ceará ainda tinha o status de província e aboliu a escravidão quatro anos antes do surgimento da Lei Áurea. A história cearense enaltece a figura de  Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”, que durante o processo abolicionista cearense era conhecido como Chico da Matilde. Dragão do Mar liderou a Greve dos Jangadeiros, em 1881. Esta greve foi um passo importante na libertação dos escravos no Ceará. Nos dias 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, e também 3 de agosto do mesmo ano, os jangadeiros se recusaram a transportar escravos do porto de Fortaleza até os navios negreiros que iriam levar os escravos para serem comercializados em outras províncias. Esta ação  impulsionou o fim da prática da escravidão no Ceará, que foi sendo conquistada aos poucos. 

Em 1 de janeiro de 1883, os últimos 116 escravizados foram alforriados na Vila de Acarape. Este fato fez com que a Vila fosse o primeiro local a abolir a escravidão no Brasil, sendo por isso rebatizada, em 1889, como ‘‘Redenção’’. 

Apesar da importância de Dragão do Mar para a superação deste capítulo da história, ele não foi a única figura importante na luta abolicionista.  A história contada peca em apagar da memória outras figuras que desempenharam papéis importantes na luta contra a escravidão, como Preta Tia Simoa. 

A Importância e nome da abolicionista negra foram apagados da maioria dos livros de história. Tia Simoa desempenhou papel importante ao utilizar de suas habilidades sociais para se comunicar com o povo da capital e convencer a população a dar suporte à Greve dos Jangadeiros. A ausência de Tia Simoa nos livros de história é um exemplo de como o sexismo ainda se faz presente na historiografia e como ele está sujeito a apagar personagens importantes da história nacional e negra. 

Chico da Matilde, o Dragão do Mar
Tia Simoa

2021

População negra no mercado de trabalho

Por conta da pandemia, as taxas de desemprego entre brancos e negros aumentaram, atingindo os maiores níveis desde 2012. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego geral é de 14,5%. Segundo os dados da Pnad (Pesquisa nacional por amostra de domicílio) os negros representam 72,9% dos desempregados no país, sendo 11,9% negros 50,1% pardos. A estrutura racista da sociedade dificulta ainda mais a entrada de homens e mulheres negras no mercado de trabalho. Algumas empresas como Magazine Luiza e Ambev criaram programas de trainee para negros, como uma forma de representatividade, igualdade racial e de gênero. É  uma iniciativa que abre espaço e oportunidade aos jovens negros que estão se formando e entrando no mercado de trabalho. E ao contrário do que muitos falam, essa iniciativa não se trata de racismo reverso, mas sim de uma reparação histórica diante de todas as injustiças cometidas para com a população negra nacional.

LUTA ANTIRRACISTA

Diante de uma história sofrida e de lutas por igualdade racial, hoje, existem no Brasil diversos movimentos políticos, sociais, artistas e ativistas  que se organizaram em prol do combate do racismo estrutural que domina a sociedade brasileira. No Ceará, a cantora e compositora Luiza Nobel faz parte de uma nova geração de artistas alencarinos que cantam sobre suas vivências e histórias enquanto pessoas negras. Segundo Luiza,  a comemoração é pelo empoderamento de nossa própria identidade. “Acho que há mais brasileiros se declarando como pessoas negras e estão mais conscientes das questões raciais”, complementou  a artista.

Segundo a artista, o ativismo negro não é algo recente, mas a tecnologia possibilitou uma maior interação entre vários grupos que possuem em comum a luta pelo fim do racismo e a conquista da igualdade racial.Enquanto cantora, Nobel homenageia sua história e cultura. Ela afirma que “ a música continua com um papel muito forte de denunciar o que ainda precisa ser melhorado”. Quando questionada sobre a relação da população negra com o Estado e a polícia, Luiza afirma que o problema vai muito além de um governo, e que a questão racial  ainda não foi devidamente debatida. Em homenagem ao dia da Abolição da Escravidão, a artista irá lançar o clipe  “ Let’s burn”, que aborda temas como a negritude e toda sua complexidade. Através de sua arte, Nobel busca levar representitividade para as gerações futuras.

Quem também conversou sobre a data foi Rômulo Silva, mestre e doutorando em sociologia pela Universidade Estadual do Ceará(UECE),que reitera o caráter colonizador que o dia 13 de maio carrega: “ Desde já eu penso que existe uma síndrome messiânica deste tempo colonial. Silva afirma que existe uma “síndrome messiânica” que busca cultivar a ideia de que foram os brancos que salvaram a população negra. “Precisamos quebrar essa ideia de salvação pelos brancos. Pois é inclusive este mundo branco  a causa de todos os males que vivenciamos no mundo moderno.”

Quando questionado sobre a relação entre o Estado e as vidas negras, Rômulo considera o Estado genocida. O doutorando ressalta o caráter seletivo do Estado: “ A lógica do Estado é selecionar vidas. Vidas que são úteis e humanas e outras supérfluas ao neoliberalismo. Temos uma arquitetura colonial de poder que atinge sobretudo os corpos pretos.” Rômulo ainda fez questão de lembrar que o Brasil é um dos países que mais encarcera pessoas negras no mundo e lembra que no Brasil, a maioria das pessoas que ocupam espaços de poder são brancas ou de famílias brancas, seja no agronegócio, na educação ou na comunicação. O doutorando é firme em sua opinião referente à polícia e afirma que esta  segue uma lógica de necropolítica cujo objetivo é atingir vidas negras. 

Luiza Nobel e Rômulo Silva  se somam às muitas vozes negras que estão lutando pelo fim do racismo em diferentes frentes de batalha. Além dos entrevistados,é importante citar a escritora e filósofa Djamila Ribeiro que  lançou o livro chamado “ Pequeno Manual Anti-racista”, obra na qual a autora disserta sobre as origens do racismo e como combatê-lo, além de conceituar termos como negritude, branquitude e violência racial.  A luta anti-racista parece ainda ter um longo percurso pela frente, mas segue comprometida em alcançar uma sociedade mais justa e igualitária para todos, independente de raça e classe social. 

Luiza Nobel, Cantora e compositora da nova geração de mulheres artistas da capital alencarina. Hoje , ela lança seu novo clipe “Let’s burn”
Rômulo Silva É integrante do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (COVIO/UECE), onde também coordena a linha de pesquisa “Estudos afro-atlânticos” e também pesquisador-colaborador no Laboratório de Arte Contemporânea (LAC/UFC).
Djamila Ribeiro

( Texto:César Rodrigues, 3° semestre)

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