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ALIADOS OU ADVERSÁRIOS: OS SINDICATOS NA ERA DIGITAL

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Cenário digitalizado e automação laboral apresentam perspectivas e desafios para os sindicatos.

Trabalhadores em manifestação. (Fonte: Freepik)

Texto: Ives Natan (Jornalismo/Uni7); Clarice Carvalho (Jornalismo/Uni7); Leonardo França (Jornalismo/Uni7).

Presente na vida das pessoas, o avanço tecnológico já é uma realidade, e o impacto ético e social que essas tecnologias exercem na sociedade vem sendo cada vez mais discutido. As tecnologias trouxeram consigo uma série de benefícios e desafios, impactando diversos aspectos da vida cotidiana. Já estamos acompanhando a redefinição não apenas da maneira como realizamos nossas tarefas diárias, mas também a própria natureza do trabalho e das relações de produção. Para além das mudanças laborais, outra questão relacionada à natureza do trabalho apresenta-se: o futuro do sindicalismo e seu papel na era digital. À medida que profissões tradicionais são automatizadas e novas ocupações surgem em ritmo acelerado, os sindicatos enfrentam o desafio crucial de se adaptarem a uma lógica trabalhista em constante transformação.

O desenvolvimento tecnológico sempre foi muito importante para o avanço técnico e organizacional da sociedade. Destaca-se, dentre os fatores fundamentais de avanço social, a conexão global instantânea, a facilidade e os múltiplos meios de se comunicar, que possibilitam conexões culturais e sociais ao redor do globo terrestre. Além disso, a disseminação de informações se tornou mais acessível, graças à vasta gama de conhecimentos disponíveis online, abrangendo desde educação formal até tutoriais práticos, contribuindo para a democratização do aprendizado.

Observamos o surgimento de novas profissões que refletem as demandas de uma economia digitalizada. Trabalhos relacionados à análise de dados, programação e tecnologia da informação estão em alta demanda, criando oportunidades para aqueles com habilidades técnicas especializadas.

Com as alterações nas relações de trabalho, é possível observarmos o aumento da precarização. Profissões antes consideradas seguras estão sendo gradualmente substituídas por sistemas automatizados, aumentando a eficiência e reduzindo custos para os empregadores. A tendência pela automação traz consigo uma série de questões sociais e econômicas, como o desemprego em massa e a incapacidade organizativa dos trabalhadores. Em relatório emitido em 2023, os economistas do grupo financeiro Goldman Sachs previram que 18% do trabalho global poderia ser automatizado. Para os especialistas, os efeitos dessa automatização seriam sentidos, principalmente, nos países mais desenvolvidos. Porém, para o professor e sindicalista Sharly Albuquerque, não há como fugirmos das inovações tecnológicas nas relações de trabalho: “mesmo profissões muito antigas, como magistério, que dependem bastante do contato pessoal direto com os educandos, têm tido que se adaptar. A velocidade com que isso acontece e a pressão para que os profissionais se adaptem a novas ferramentas instrumentais é outra coisa que chama a atenção”, afirma o professor. 

Diante desse cenário, a revolução no mundo do trabalho já é uma realidade. Muitos cargos empregatícios foram ou estão sendo substituídos por máquinas e algoritmos, o que causa preocupação nos trabalhadores. Profissões como caixas de supermercado, operadores de telemarketing e até mesmo alguns cargos administrativos têm sido gradualmente substituídas por sistemas automatizados, se tornando um desafio para os trabalhadores que precisam se reinventar e adquirir novas habilidades para permanecerem relevantes no mercado de trabalho. Para o diretor de Organização do Sindicato dos Fazendários do Ceará (SINTAF), Carlos Brasil, as grandes economias automatizadas, como Japão e Alemanha, conseguem atingir o pleno emprego, por isso “é preciso o trabalhador, cada vez mais, estudar e ter acesso à educação”, e conclui que “por mais que as tecnologias avancem, ao final sempre haverá a análise dos dados, sempre haverá o homem”, afirma o diretor. 

LUTA SINDICAL

A luta sindical pelos direitos dos trabalhadores é um tema de relevância histórica, com um desenvolvimento marcado por eventos significativos ao longo dos séculos. Um sindicato é uma organização formada por trabalhadores de um setor específico ou profissão, com o objetivo de defender e representar os interesses coletivos dessa determinada categoria de trabalhadores perante empregadores, governo e sociedade em geral.

No século XIX, surgiram as primeiras formas de sindicatos, reflexo de uma percepção crescente entre os trabalhadores sobre a importância da organização coletiva para a defesa de seus interesses. Essas organizações atuam na negociação de condições de trabalho, salários, benefícios e outros direitos laborais, buscando melhorar as condições de vida e trabalho de seus membros.

Ao longo de sua trajetória, os sindicatos enfrentaram desafios e conflitos com empresas e governos em busca de melhores condições de trabalho. A persistência dessas organizações contribuiu para a conquista de direitos fundamentais para os trabalhadores.

FUTURO SINDICAL E DESAFIOS

À medida que o cenário empregatício se transforma, os sindicatos enfrentam uma série de desafios significativos em sua missão de proteger os interesses dos trabalhadores. Um dos principais desafios é a crescente fragmentação do mercado de trabalho, impulsionada pela “uberização” das categorias laborais, tornando mais difícil organizar e representar trabalhadores independentes e temporários. Para Sharly Albuquerque, é inevitável que algumas categorias e, consequentemente, a organização sindical, sejam impactadas. Para o sindicalista, existem dois exemplos que esclarecem a questão, são eles “os bancários e cobradores de ônibus coletivos. No primeiro caso, a introdução dos caixas eletrônicos e, em seguida, dos aplicativos em celulares, quase dizimaram a categoria que tinha peso e papel central nas lutas sindicais entre 1970-1990. No caso da profissão de cobradores, o impacto foi ainda maior, extinguindo praticamente a profissão”, afirma. 

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2005, haviam 4,1 milhões de terceirizados formais no Brasil, número que chegou aos 20 milhões na atualidade. Para o diretor de Organização do Sindicato dos Fazendários do Ceará (SINTAF), Carlos Brasil, esse cenário afeta a massa trabalhadora, torna os cargos ocupacionais precarizados e desmobiliza os trabalhadores. Segundo o diretor, os trabalhadores “ficam extremamente vulneráveis. Tanto do ponto de vista da segurança do trabalho, como também sofrem seguidas reduções dos seus padrões salariais”.

Apesar dos desafios e problemáticas, a era digital também apresenta novas possibilidades aos sindicatos. Para o professor e sindicalista, Sharly Albuquerque, o ambiente virtual favoreceu, em certo ponto, o fortalecimento das lutas e mobilizações sindicais “as redes sociais permitem que documentos políticos, discussões, denúncias e acordos de lutas locais, ou mesmo nacionais, possam ser realizadas com um alcance e velocidades inauditas”, afirma o professor. Um exemplo recente foi o chamado “Breque dos Apps”, movimento de paralisação dos entregadores de aplicativos, que surgiu através das hashtags nas redes sociais, o principal canal de divulgação das demandas e mobilização da categoria. Essa utilização fortalece não apenas a capacidade de mobilização dos trabalhadores, mas também estreita os caminhos entre as diferentes gerações. Para Carlos Brasil, o ambiente virtual pode fortalecer a mobilização sindical se tornando uma ferramenta para alcançar, principalmente, as gerações mais novas de trabalhadores, que podem ter se distanciado da rotina sindical por estarem, geracionalmente, longe dos grandes movimentos de democratização do país.

Diretor de Organização do Sindicato dos Fazendários do Ceará, Carlos Brasil. (Fonte: SINTAF)

ORIGENS E AÇÕES DO SINTAF

Fundado em 17 de dezembro de 1988, o SINTAF é uma entidade sindical que representa agricultores. Criado por trabalhadores agrícolas, o sindicato tem como objetivo defender os interesses da categoria e atuar como uma voz coletiva na defesa de seus direitos.

Ao longo de seus 34 anos de existência, o SINTAF acumulou conquistas importantes em prol de seus membros. Entre essas realizações, destacam-se a implementação do 1º Plano de Cargos e Carreiras (PCC/s), a redenominação dos cargos de Analista e a conquista da Emenda Constitucional 81/2014, que reconheceu a Administração Fazendária como instituição essencial ao funcionamento do Estado.

Diante do cenário tecnológico e da evolução do mercado de trabalho, a atuação do sindicato torna-se relevante. O SINTAF compromete-se em defender os interesses dos trabalhadores frente aos desafios impostos pela automação e pela transformação do mercado de trabalho.

OS AVANÇOS DIGITAIS ESTÃO ALINHADOS COM O BEM-ESTAR DOS TRABALHADORES?

A revolução tecnológica trouxe consigo grandes inovações, desde inteligência artificial até automação avançada. Embora essas tecnologias prometam eficiência e produtividade, também levantam preocupações sobre as condições laborais e o bem-estar dos trabalhadores. Muitas vezes, é possível enxergar uma correlação entre avanços tecnológicos e o aumento na pressão sobre os trabalhadores, resultando em jornadas mais longas, demandas exageradas e falta de segurança no emprego.

A relação entre essas tendências e o fortalecimento crescente do movimento sindical não é meramente coincidência. Para Sharly Albuquerque: “saltos tecnológicos e maior exploração da força de trabalho não se excluem, ao contrário, são perfeitamente conciliáveis”.

De acordo com o Instituto de Tecnologia da Geórgia, os funcionários que trabalham para empresas com alta tecnologia têm seu bem-estar afetado diretamente. Segundo os pesquisadores, após análise dos dados de 2002 a 2018, os trabalhadores afetados pela automação apresentam menos estresse no ambiente de trabalho. Apesar disso, o nível de satisfação manifestado por trabalhadores afetados pela automação é baixo, afirmam os pesquisadores. 

Embora os saltos tecnológicos possam, inicialmente, parecer uma ameaça à organização sindical tradicional, a realidade é que essas mudanças estão impulsionando uma necessidade renovada de representação e proteção dos trabalhadores. À medida que a tecnologia redefine a natureza do trabalho, os sindicatos estão se adaptando, para garantir que os benefícios dessas inovações sejam compartilhados de maneira justa por todos os membros da sociedade. A nova vitalidade das organizações sindicais não é apenas uma resposta necessária, é uma voz essencial na construção de um futuro de trabalho mais humano e inclusivo.

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