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CEM ANOS DE SECA: El Niño, quentura e falta d’água

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Apesar das políticas de convivência com o semiárido, existe a preocupação de que Ceará se torne completamente árido, inviabilizando as iniciativas

O fenômeno climático é o novo personagem principal e ameaça superar a severidade da narrativa de Rachel

Cem anos depois da seca retratada por Rachel de Queiroz em sua obra O Quinze, o semiárido cearense volta a reviver cenas tão fortes quanto as descritas pela autora. Em outubro deste ano foi decretado estado de emergência para 150 dos 184 municípios cearenses. Desta vez, o fenômeno El Niño é o principal personagem, já que aumenta a temperatura das águas do Oceano Pacífico – tornando-se fator determinante para a estação chuvosa.

O doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, Alexandre Araújo, 45, diz que, do ponto de vista físico, é provável que a seca do próximo ano seja ainda mais severa do que a de 1915. Apesar de não existir um registro completo de estações meteorológicas, pluviômetros e nem rede de monitoramento do Oceano Pacífico há um século para uma comparação tão direta, este será, no mínimo, o segundo maior El Niño dos últimos 60 anos, comparado com o ocorrido nos anos de 1997 e 1998. “Em 98, as chuvas ficaram em torno de 60% abaixo da média. Então, estamos falando de menos da metade do normal como expectativa plausível para o ano que vem”, afirma o pesquisador.

O fenômeno e seu impacto

O El Niño é um processo de aquecimento anômalo do Pacífico Equatorial, desde o leste, até a região central, por vezes indo até a porção oeste do Oceano Pacífico. O aquecimento oceânico influencia diretamente a temperatura atmosférica, que também esquenta. Neste cenário, o ar sobe, produzindo nuvens e livrando-se da umidade até chegar lá em cima seco e retornar nesta mesma condição.

Este ar seco funciona como uma tampa, impedindo o crescimento vertical das nuvens de chuva, mostrando a existência de uma conexão muito forte entre os El Niños intensos e a seca, pela redução significativa de precipitação. Qando ocorre este fenômeno, sofrem com a seca a Indonésia, as Filipinas e o norte da Austrália, de um lado; e a América do Sul – especificamente Amazônia e Nordeste –, do outro, porque é onde o ar desce.

O risco climático, segundo Alexandre Araújo, é uma composição do fenômeno em si, da exposição e da vulnerabilidade. O Ceará está exposto ao fenômeno porque se localiza no semiárido, no entanto, a vulnerabilidade depende da condição social e da conjuntura de determinados fatores. Atividades industriais que demandam alto uso de água, como a produção irrigada de frutas – segundo a Agência do Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) 37 mil hectares foram destinados à prática no Baixo Jaguaribe –, e termoindústrias, por exemplo, são insustentáveis, de acordo com o pesquisador.

“Não é uma questão de que não tenha de haver desenvolvimento, só que isso aí não é desenvolvimento, isso é destruição de sistemas de suporte a vida”, fala. Araújo propõe como alternativas de desenvolvimento o incentivo a outros tipos de indústrias, como as de produção de materiais para painéis solares e empresas de mais alta tecnologia. “Por que a gente tem que trazer pra cá uma termelétrica carvão? Fora a água, tem todo o CO2 [dióxido de carbono]… As emissões de CO2 do Ceará estão subindo! O mundo inteiro está reunido agora na COP-21 pra discutir que tem que cortar CO2. Hoje é algo da ordem de quase 5 milhões de toneladas sendo emitidas aqui no estado”, argumenta.

Se o El Niño tivesse ocorrido em 2010 o impacto não seria tão significativo, por causa dos dois anos chuvosos de 2008 e 2009, o que proporcionou estoque hídrico para o estado. No entanto, considerando o normal como 801 mm de precipitação e o nível de 2012 reduzido para 390 mm (311 milímetros a menos), como a representação mais próxima do que será 2016, “nós deveríamos ter ido para uma política mais cautelosa e não foi o que aconteceu aqui”, defende Araújo. “Parece que a abundância da chuva desses dois anos, mas também de 2011, deu a falsa impressão de que dá pra gastar muita água e não é assim.”, reitera.

De acordo com o professor, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) divulgou dados revelando que a temperatura do Ceará aumentou mais de 1o C e a precipitação diminuiu. Como a tendência da temperatura é subir, o saldo é o aumento da taxa de evaporação, significando mais estresse hídrico para as plantas e perda mais rápida de água nos reservatórios. Além disso, por causa da predominância de El Niños, a projeção para, pelo menos, uma década a frente, é de uma fase mais quente.

COP-21

É a 21a Conferência do Clima que acontece neste mês de dezembro, em Paris, na França, tendo como objetivo um novo acordo entre as nações em substituição ao Protocolo de Kyoto, para a redução da emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, e limitação do aumento da temperatura global a 2o C até 2100.

Você sabia?

A palavra El Niño é derivada do espanhol, e refere-se à presença de águas quentes que todos os anos aparecem na costa norte do Peru, na época de Natal. Os pescadores do Peru e do Equador chamarama esta presença de águas mais quentes de Corriente de El Niño, em referência ao Niño Jesus ou Menino Jesus. (Fonte: CPTEC- Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos)

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