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MOSAICO CEARENSE: Vós se consolida na difusão da produção cultural local

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Entrevistas

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As grandes empresas de comunicação descobriram que, além de instrumento de posicionamento mercadológico, há público interessado em publicações, e talentos para fazer valer a empreitada

O mercado cearense de revistas deu um salto nos últimos anos. De fato, parte do conteúdo dessas revistas reflete a estrutura socioeconômica local. Tendências de moda viram vitrine para grifes de luxo, machos alfa vão ao delírio com carrões “para motoristas exigentes”, e toda sorte de iguarias gourmet descortinam uma seleta rede de restaurantes. Tudo com uma dose equilibrada de arte e ressignificações regionalistas para dar um prumo requintado ao conjunto da obra. O público? Moradores do topo da pirâmide. Que de tão no alto atingem as nuvens, num êxtase consumista possível somente para seus pares. Tratam-se, na maioria, de revistas que estabelecem uma relação estreita com os leitores em geral.

Michele Boroh diz que a Vós nasceu e vive para contar histórias do nosso lugar (Foto: Pedro Brito )

Na contramão desse viés a revista Vós elabora um projeto que tem imbricado aquilo que, comumente, é chamado de jornalismo cultural e literário. Numa rápida conversa com sua Coordenadora de Conteúdo, Michele Boroh, sobre o cerne editorial da publicação, ela não titubeia: “é o Ceará e o cearense. Vós nasceu e vive para contar histórias do nosso lugar e da nossa gente (principalmente aquelas que quase nunca – ou nunca – são contadas em outros veículos) sempre sob a ótica do afeto e do pertencimento, de enxergar principalmente aquilo que temos de bom e bonito, e aquilo que poderia/deveria ser melhor”.

Ela diz ainda que os canais são profusos e que “ainda bem, porque também são necessários – os canais jornalísticos e de denúncias sobre nossas carências, dificuldades e mazelas; mas somos carentes daquilo que nos faz reativar o orgulho, o sentimento de pertença, o otimismo e o afeto de ser cearense ou viver aqui”. E lança uma pergunta: “e como fazer isso sem jogar luz sobre o que é bom?! Porque ele está aí, ele existe, e em grande quantidade! Mas nem sempre estão em foco”.

Outra característica marcante de Vós é a ausência de uma linguagem voltada para públicos específicos. Sobre esse aspecto, Michele Boroh explica: “a nossa diferença em relação aos outros meios talvez seja a fluidez do texto, o fato de ele não ser jornalístico e pender mais para o literário. Mas de forma alguma  pretende ser rebuscado. Muito pelo contrário. Ele deve ser leve, sem dogmatismo ou preciosismo; mas também sem ser simplório. O objetivo único é que seja um texto fácil e gostoso de ler, ao mesmo tempo. Bem, é o que tentamos todo dia. Erramos e acertamos, claro, mas o caminho desejado é esse.”

TV, FM, revista, mídias sociais, a revista se desdobra nas multifacetas digitais da comunicação. O acesso ao site de Vós revela que estamos diante de um produto dos tempos de hoje. Michele Boroh nos lembra que o desafio é ”alcançar o máximo de gente, contar as mais variadas histórias, sobre os mais variados assuntos, com os mais diversos colaboradores, sob quantos formatos isso for possível. É o ‘Tu’ no Plural de novo, o tempo todo.”

E Fortaleza não é só erguida pelas delicias da cearensidade. Há desafios cada vez mais urgentes. Violência alarmante, surtos de chikungunya , problemas de ocupação urbana e expansão das redes de tráfico, só para citar alguns. Questionada se na revista existe espaço para a discussão de temas dessa envergadura, Boroh ratifica que sim, mas destaca que o tratamento dado para essas pautas é feito de modo diferente: “A denúncia por si é importante, fundamental, mas também pode nos afogar num pessimismo que pode ser muito nocivo à nossa esperança de mudança e estímulo efetivo na nossa capacidade de cobrar/mudar e na nossa relação de afeto com nossa cidade e com outros”.

“A nossa diferença em relação aos outros meios talvez seja a fluidez do texto, o fato de ele não ser jornalístico e pender mais para o literário”, afirma a jornalista (Foto: Pedro Brito)

E complementa: “abordamos essas questões tanto em matérias como em artigos de opinião de colaboradores, todos publicados no site e nas revistas. E em alguns casos, como na nossa Feira Massa (que já passou por sete bairros), promovemos algumas mudanças de fato. Na última, por exemplo, que aconteceu no Pirambu, fizemos matéria e parceria com um coletivo local dedicado a estimular a arte entre os jovens do bairro; promovemos palestras e oficinas de educação empreendedora, realizamos feirinha de artesanato e comida comandadas pelos moradores; realizamos apresentações com os artistas do próprio Pirambu e transformamos um ponto de lixo em um parque infantil.

Ao finalizar o seu livro de contos Dublinenses,o escritor irlandês James Joyce, chegou à conclusão de que Dublin era o “centro da paralisia” da Europa. Depois de tantas pautas e a troca de experiências com diversos setores da sociedade, trabalhando com Fortaleza como palco e seus cidadãos como a matéria prima, a questão do escritor irlandês foi colocada para Michele, no sentido de saber se havia uma ideia sobre o lugar.

Ela afirmou que “sim! E, sorte a nossa, muita mais bonita e positiva que a de Joyce. Do Edinho Maga de Messejana ao Gero Camilo, do Conjunto Esperança; do Seu Espedito Seleiro, de Nova Olinda à Silvana Lima, de Paracuru, do passeio de barco com o Seu Alberto da Barra do Ceará aos refúgios de silêncio do Centro… Quando fazemos uma apanhado afetuoso dos nossos famosos e anônimos, do que é óbvio e do que é descoberta, é impossível não pensar que nós somos muitos, muito bons e temos um potencial incrível! E isso é uma força maravilhosa a nos estimular a lutar por aquilo que (ainda) não o é”.

A revista acerta por não ficar apenas na tríade humor, forró e praia, mas por fugir do provincianismo de achar que a Dom Luis é a Quinta Avenida e por retirar de Fortaleza esse ranço de Miami degringolada. Um pouco de otimismo, afeto e esperança caem muito bem. Afinal, o sagrado é mesmo o humano.

 

Texto: Pedro Brito (6º semestre – Jornalismo)

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