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PRIMEIRA PAUTA: José volta a pé

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Crônicas, Uni7 Informa

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José, andando até sua casa, após um dia longo de trabalho, passa por essa rua de segunda à sexta. Seu local de serviço é uma empresa que fica em meio a um conjunto de famílias e escolas, onde as crianças brincam na rua e o ambiente hiperativo e atordoante dos centros urbanos é conhecido apenas para aqueles que chegam ou vão ao pegar um ônibus. Mas, para os que moram perto, seus maiores desafios são dar alô para quem está sentado nas calçadas, ouvir alguma cumprimentação calorosa e exagerada do dono do bar, e se proteger da luz avermelhada de um sol se pondo para dormir.

Andando devagar, sem pensar coisa alguma, ele vê mais crianças brincando na rua. José, que voltou a trabalhar há um mês, teve que suportar o silêncio das ruas durante todo esse caminho, aquele silêncio que desperta o medo e acelera o passo do pé, tirando qualquer prazer do ócio que uma caminhada após os afazeres proporciona. Sua mente, que foi acordada pela imensidão do vazio que se instalou naquelas estradas, agora se acordava ao perceber como o som dos pés dos meninos brincando de bola, e das meninas pulando de corda, e todos eles brincando de pega pega depois, tornava o seu caminho mais agradável.

O caminho por onde José volta a pé

De repente, percebeu que não precisava retrair os olhos ao ver a luz do pôr do sol. Podia só fechar os olhos e contemplar tudo de forma espiritual, sem prestar atenção em nada, vendo apenas uma aurora embaçada, pois o seu corpo conhecia a passagem de cor. Ele foi andando, dando um aceno, que significa alô e adeus ao mesmo tempo, para as senhoras que sentavam nas calçadas e, para os que tinham a aparência mais carrasca, uma leve saudação de cabeça.

Ao avançar, a noite sobe, e as luzes, que foram de amarelo para vermelho, agora estavam em azul claro. Ao entrar em casa, ele viu os seus filhos e sua esposa, Ana, e percebeu que podia abraçar todos eles sem trocar de roupa, dar um beijo na mulher (que com certeza as crianças iriam achar nojento) e coçar os olhos. Coçou os olhos como se tivesse acabado de descobrir que eles existiam.  Ana, vendo a cena, disse:

“Macho, para com isso. Isso não faz bem”

“Mas o coronavírus já acabou”

“Sim, mas ainda tem sujeira nas mãos”

José não se importou, porque aquela coçadinha nos olhos, que você sente esquentar a vista… humm, ai que delícia.

Então ele sentou na poltrona, ligou a televisão e, sem trocar de roupa, hibernou até 10 da noite.

Os filhos disseram: “Égua pai, vai trocar de roupa, nam, que fedor”.

Ele disse: “depois, depois”.

Texto e foto: Yuri de Souza (3º semestre – Jornalismo/UNI7)

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