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OLHARES: Resiliência e resistência na dança cearense

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Texto, Uni7 Informa

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Bailarino cearense Israel Mendes, morador da periferia de Fortaleza, realiza seu sonho ao entrar para a companhia de dança finlandesa  Finnish National Youth Company

Israel Mendes,19, bailarino revelação do Ceará, profissional da companhia finlandesa de dança Finnish National Youth Company, ganhou destaque no cenário do ballet ao participar de competições nacionais e internacionais. Sua competência em exercer suas coreografias, seu porte físico e suas técnicas usadas em apresentações foram avaliadas pelos olhares de profissionais renomados no Brasil e no mundo. 

A trajetória de Israel Mendes começa aos 6 anos de idade, quando foi apresentado à dança. A partir daí, através da inserção em projetos sociais foi iniciada a sua caminhada nessa arte. Em 2016, com 14 anos, o dançarino iniciou seu aperfeiçoamento técnico no Studio de Dança Mainara Albuquerque, localizado no bairro da Maraponga, em Fortaleza. No ano seguinte, Israel foi selecionado para se apresentar na Mostra Competitiva do Festival de Dança de Joinville, uma competição de grande prestígio no país. Lá, conseguiu a partir da avaliação dos jurados, uma aprovação para o Bolshoi Brasil, única filial da escola russa no mundo. No ano de 2018, participou em Nova York da competição Youth America Gran Prix (YAGP) sendo agraciado com uma bolsa para um curso de verão na Harid Conservatory (Flórida-EUA). 

Após participar do YAGP 2021, o cearense Israel Mendes foi convidado pela Companhia Juvenil do Balé Nacional Finlandês, onde trabalha atualmente e continua a representar o Ceará no cenário da dança internacional.

O bailarino cearense José Israel Mendes da Rocha, mais conhecido como Israel Mendes, vem de uma família simples do bairro Parque São José, próximo ao Mondubim, região periférica de Fortaleza. Ainda criança, começou a sua trajetória pela dança e descobriu ali, sua grande paixão. “Não tinha vocação nenhuma para aquilo,mas eu tinha uma chama dentro de mim que fazia com que eu tivesse toda a minha atenção voltada para dança em geral e não voltada somente ao ballet”, diz o dançarino.

Em 2008, a partir de um projeto social com engajamento na dança, que tinha como objetivo evitar a marginalização de crianças da periferia, Israel teve a certeza da sua vocação.

De acordo com a pesquisa realizada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) em parceria com a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) e levantamentos com fontes policiais, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do bairro Mondubim foi de 0,23 no ano de 2020. Ainda de acordo com a pesquisa , entre janeiro e dezembro do mesmo ano foram registrados mais de 210 homicídios, somente neste bairro. Em comparação com os bairros de IDH alto como o Dionísio Torres(0,86), Meireles (0,95) e Praia de Iracema (0,72), o bairro Mondubim possui maior índice de criminalidade, evidenciando assim a probabilidade de maior envolvimento de menores em crimes como homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. 

Preconceito com a dança

Um estilo de dança que sofre muito com o preconceito é o ballet. Há muitos que ainda falam que “ballet é coisa de menina”, por ser uma prática suave e delicada. Esse conceito hipotético contrasta com um ideal de masculinidade que valoriza a virilidade, a rigidez e até mesmo a brutalidade. Até hoje, homens que praticam ballet clássico acabam sofrendo por não seguirem um padrão imposto pela sociedade. Logo, convivem com situações de discriminação, machismo e preconceito praticados pela sociedade.

Segundo Israel, sua ascensão na dança é fruto de muita luta, principalmente contra essa intolerância. Para o artista, no início da sua carreira, existiam poucos cursos disponibilizados  para a comunidade, e ainda assim, havia um certo preconceito em relação à participação de meninos no ballet clássico. “Eles eram muito restritos a certos cursos que ditavam, que ballet não podiam ficar lá meninos, só meninas. E por conta da vestimenta eles também julgavam, porque só estariam meninas na sala e não queriam que tivessem outros meninos lá”, relata Israel.

Entretanto, o preconceito não o desmotivou em relação à dança, ao contrário, sempre o impulsionou a seguir seu sonho. Para isso, o bailarino cearense contou com apoio de várias pessoas, inclusive da sua primeira professora de ballet. “Eu ia dizer que não tive nenhum apoio no início de tudo, só que eu ia tá mentindo se eu falasse isso.Tive apoio sim,que foi da professora que no momento não se deixou levar pelas regras do projeto,que se alguém visse eu lá na sala iam brigar com ela e tudo mais. Então, foi um momento da minha infância que eu trago até hoje, do apoio que eu trago dessa mulher”, afirma.

Israel Mendes tinha sonhos bem mais altos. Seu objetivo era desbravar fronteiras através da dança e para isso aprofundou seus conhecimentos, a partir de projetos patrocinados pela rede municipal como aqueles oferecidos pelos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Rede CUCA), instituições que destinando-se sobretudo a jovens na faixa etária de 15-29 anos e oferecem difusão cultural, atividades que fortalecem o protagonismo juvenil e vagas em cursos como a dança. “Fui pra rede CUCA, melhorei meus ensinamentos lá, aprofundei meus conhecimentos em relação ao mundo e eu aprecio bastante assim Fortaleza e o governo porque hoje a gente tem muitas políticas públicas que vem ajudando assim os jovens de Fortaleza”, relata Israel.

Além de oferecer diversos cursos, a Rede CUCA proporciona também a realização de sonhos das pessoas que moram nas periferias de Fortaleza, já que a maioria não consegue ter acesso a faculdades ou cursos particulares. “A rede CUCA em si que não é só para pessoas carentes, ela está ali para acolher todo mundo e todos os jovens a ocupar a mente. Acho que a gente está tão assim né, frustrado pela situação que a gente passou, a covid e outras coisas que acarretam a ansiedade ou os bloqueios sociais. Eu tenho uma admiração muito grande, apesar de Fortaleza ser bastante perigosa, pelo que a cidade faz pelos jovens”, relata o bailarino.

Desafios

Em meio a tantos desafios, Israel continuou tendo “resiliência”, palavra  enfatizada pelo dançarino durante toda a entrevista. Por onde passou, adquiriu técnicas, conhecimentos e resistência para desempenhar com perfeição o ballet. Seu esforço foi reconhecido após fazer uma audição para entrar no Studio de Dança Mainara Albuquerque (SDMA), localizado na Maraponga. Já podia ter me acomodado, me vitimizado, dizer assim: não, eu sou da periferia num vou sair daqui onde eu tô, olha vida que eu tenho! Então, eu sempre deixava Deus na frente de tudo, tirava todos os pensamentos ruins e dizia: Eu vou atrás, eu vou bater de frente, eu vou pra tudo”, enfatizou.

Nada veio com facilidade na vida deste bailarino, mas  todas as competições que ele conseguiu o levaram a ganhar visibilidade no mundo da dança  como, por exemplo, o ingresso na  Youth America Gran Prix (YAGP), o que fez com que olhares do Brasil e do mundo se voltassem para ele. 

Israel se mostra muito orgulhoso da sua trajetória. Eu me sinto importante pelo fato de que eu carrego no meu sangue que eu sou cearense, fortalezense, diretamente da periferia de Fortaleza, do bairro Parque São José e que eu estou aqui representando as pessoas que me apoiaram, que me deram a luz: o caminho do final do túnel. E eu estou aqui vivendo a minha arte, vivendo da dança, algo que é super julgado no Brasil, quem é artista, mulher, trans, quem é do meio LGBTQIA +, quem tem poucas oportunidades. Então eu estou aqui vivendo a minha vida na minha melhor fase, calando a boca de muitos. Para mim é só orgulho mesmo”, conclui.

Quando perguntado sobre a mensagem que queria passar como bailarino clássico para as pessoas que moram na periferia de Fortaleza, Israel enfatizou  a seguinte questão: “Que nunca desistam, que nunca se deixem levar por alguém que é mais alongado,mais flexível,que gira mais que você, que tem um pé mais bonito do que você, porque o que importa é o que tem dentro do seu coração. Por conta que o que importa é a sua técnica, o que importa é o seu cuidado com o seu corpo, o que você faz do seu templo, que é o seu corpo. Então, indico informação, indico resiliência, indico fé, indico sentimentos que lhe façam uma pessoa melhor, mas sem diminuir os outros, porque o ramo da dança não é fácil pra quem sabe, quem vive nessa parte, sabe que tem muita competitividade, não só no ramo da dança, mas como no mundo inteiro”.

Hoje, José Israel Mendes da Rocha, um simples garoto da periferia,  se consagra como bailarino clássico internacional, representando o Ceará e deixando a mensagem de que não existe sonho que não possa se tornar realidade se você persistir e acreditar.

“Eu me sinto importante pelo fato de que eu carrego no meu sangue que eu sou cearense,fortalezense,diretamente da periferia de Fortaleza, do bairro parque São José e que eu tô aqui representando as pessoas que me apoiaram,as pessoa que me deram à luz,o caminho do final do túnel”.

 “Já podia ter me acomodado,me vitimizado,dizer assim: não,eu sou da periferia num vou sair daqui onde eu tô,olha vida que eu tenho! Então,eu sempre deixava Deus na frente de tudo,tirava todos os pensamentos ruins,e dizia:Eu vou atrás,eu vou bater de frente,eu vou pra tudo”.

 

Israel Mendes na Companhia Juvenil
Apresentação do Israel na peça “La Bayadère”, do Balé Nacional Finlandês pelo SDMA, no final do ano de 2017

Escola Vidança

O quê: Aulas de dança para crianças e adolescentes.

Endereço: Avenida L, 402 – Conjunto Nova Assunção – Vila Velha

Outras informações: (85) 3262 7599 ou 

pelo e mail: [email protected]

Site: www.vidanca.org.br

Porto Iracema das Artes

O quê: Curso técnico em dança.

Onde: Rua Dragão do Mar, 160 – Praia de Iracema

Outras informações: (85) 3219 5842

Site: www.portoiracemadasartes.org.br

Vila das Artes

O quê: Curso de formação básica em dança para crianças e adolescentes. Duração de 6 anos e formação em dança clássica, contemporânea, popular, capoeira e danças urbanas.   

Onde: Rua 24 de Maio 1221 – Centro.

Outras informações: (85) 3252 1444

Facebook: facebook.com/viladasartesfortaleza

Edisca

O quê: Aulas de dança para crianças e adolescentes de bairros com vulnerabilidade social e risco à infância.

Onde: Rua Desembargador Feliciano Ataíde, 2309 – Água Fria

Outras informações: (85) 3278 1515

CUCA Mondubim

O quê: Cursos, eventos e práticas esportivas disponibilizados para jovens e adolescentes da  periferia de cada bairro de Fortaleza.

Onde: Rua Prof.Glauco Lobo-Mondubim, Fortaleza – CE,60764

Outras informações: (85) 3499 0018

Texto: Bianca Raynara e Joyce Gadelha

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