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OLHARES: árbitros do futebol brasileiro e os desafios da profissão

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Texto, Uni7 Informa

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Trajetória turbulenta, salários baixos e até mesmo agressões marcam os caminhos de quem escolhe a carreira.

No dia 4 de outubro de 2021, uma cena acabou ganhando grande repercussão nacional, William Ribeiro, jogador do São Paulo-RS agrediu com socos e um chute na cabeça o árbitro Rodrigo Crivellaro, durante um jogo da segunda divisão do campeonato gaúcho. No dia 24 de novembro, o Ministério Público do Rio Grande do Sul anunciou o indiciamento do jogador.

Casos como esse estão entre os que mais repercutiram no cenário nacional, fazendo surgir um movimento encabeçado pelo ex-árbitro de duas Copas do Mundo e comentarista Sandro Meira Ricci, que criou a hashtag não está tudo bem”, como meio de repúdio aos ocorridos e também apoio aos colegas de profissão.

Com uma difícil missão de garantir que todas as regras do jogo sejam cumpridas de forma imparcial, os árbitros têm um papel fundamental para o funcionamento de uma partida, tendo em vista que o conhecimento prático e teórico da disputa é essencial para esse processo. O caminho para se tornar um árbitro de futebol varia de estado para estado, existindo sempre um pré requisito, o curso oficial de Formação de Árbitros de Futebol da sua região. 

Diante de todas essas dificuldades, a profissão busca forças para ser respeitada e dessa forma conseguir trabalhar sem nenhuma interferência , que muitas vezes podem mudar o resultado de uma partida e consequentemente o destino da vida desses profissionais.

Foto: Pedro Chaves 

TRAJETÓRIA

Fabiana Nunes Fabrão, árbitra assistente pela Federação de Futebol do Mato Grosso do Sul (FFMS), conta um pouco sobre os requisitos necessários para ingressar na profissão “Para se tornar um árbitro de futebol tem que gostar muito, assistir muitos jogos, o processo exige um curso que as federações normalmente aplicam para formar árbitros, fiz o meu curso em 2018, pela Federação do Mato Grosso do Sul e para chegar no profissional exige dedicação e muita força de vontade”.

A duração desses cursos chega até 11 meses, fazendo com que alunos tenham uma vivência teórica do futebol e estudando as regras do jogo. Testes físicos também são exigidos tanto no processo de formação, quanto após se inserir no meio, como explica Carolina Romanholi, ex-assistente de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) “Essa aprovação na parte teórica e prática não se resume ao curso, depois que você se forma árbitro e está atuando, você continua fazendo provas teóricas e físicas para ser aprovado nos campeonatos”.

Logo após esse período os árbitros passam a apitar algumas partidas das categorias de base e assim começam suas experiências práticas, onde jogo após jogo vão sendo avaliados, fazendo com que subam ou não de categoria, até chegar no nível profissional. A comissão de arbitragem avalia o desempenho nas partidas, os árbitros com avaliações positivas vão ganhando oportunidades de participarem dos jogos profissionais.

O PROBLEMA DA REMUNERAÇÃO

As barreiras  não ficam somente dentro das quatro linhas, juízes e bandeirinhas recebem por jogo, dependem exclusivamente de quem faz a escala para receber seu dinheiro. Dificilmente essas pessoas vão ter um trabalho fixo por conta das demandas como viagens constantes, cursos e uma preparação física necessária, acontece que nas categorias mais baixas da arbitragem, os salários não são suficientes para se manter somente nesse trabalho, muitos desses profissionais acabam tendo que ter outras profissões para manter seu sustento.

Otávio Martins, professor de educação física e árbitro de futebol pela Federação Cearense de Futebol (FCF), fala um pouco sobre esse desafio de conciliar as profissões “A questão de nós não sermos profissionalizados, não temos carteira assinada e a gente precisa trabalhar com outras coisas. Tem muitos que são administradores, donos de loja, nutricionistas, assim como eu tem muitos profissionais de educação física e com isso a gente vai se alinhando com a empresa no trabalho que a gente exerce, a gente conversa com nossos chefes para alinhar questões de eventuais dispensas no trabalho para ir para alguns jogos, principalmente na semana, e depois repor as horas de trabalho.”

Os árbitros não possuem uma remuneração fixa ou salário, eles recebem de acordo com suas participações nos jogos e o valor é relativo a seu respectivo nível. Aqueles que apitam apenas no cenário local recebem valores diferentes dos árbitros FIFA ou da CBF, Carolina Romanholi nos conta um pouco sobre como é feito a taxação da remuneração desses profissionais “Em alguns setores trabalhistas a gente vê mulheres recebendo menos que os homens, exercendo a mesma função e carga horária, na arbitragem eu sendo mulher já cheguei a fazer um jogo e ganhar mais que um homem, no futebol a gente recebe a taxa de arbitragem de acordo com o campeonato e o escudo que você tem, sendo ele Fifa, aspirante à Fifa, CBF, entre outros”

VIOLÊNCIA CONTRA ÁRBITROS

[…] O árbitro também é pai e mãe de família

Cenas de agressões físicas e verbais são comuns no cenário futebolístico, no dia 12 de novembro uma faixa feita pela torcida do Bahia foi exposta contendo ameaças aos árbitros da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), nela vinha escrito: “Quando matarmos um árbitro, deixarão de nos roubar”. 

Os três entrevistados dizem ter presenciado agressões físicas durante seus jogos, Fabiana Nunes conta que já presenciou esse tipo de cena “infelizmente ainda acontece.” Otávio Martins completa: “eu nunca sofri uma agressão, mas no jogo que eu estava presente um árbitro levou um chute, não era um jogo da federação. O cara se exaltou e deu um chute na perna do árbitro, mas foi repudiado pelos colegas e adversários que imediatamente tentaram evitar que outras agressões ocorressem ali.

Casos como esses são comuns no mundo da arbitragem e assustam por conta da impunidade. No futebol amador a violência é maior, campeonatos de menor expressão e pouca presença de mídia acabam fazendo com que relatos como esses não sejam vistos tão facilmente e acabam não ganhando a importância necessária. Segundo Carol Romanholi a punição para os agressores ainda deixa a desejar “deveria ser banido do futebol”, ela complementa “É uma profissão de perigo, você tá ali sem saber quem tá do seu lado, você apita uma falta, um pênalti, qualquer coisa e o jogador nunca tá satisfeito com nada. As agressões não são de hoje, apenas são mais vistas ultimamente.”

A MULHER NA ARBITRAGEM 

Em 2021, o quadro da CBF registrou o maior número total de mulheres atuando na arbitragem, esse é um grande feito levando em conta que estamos falando de um esporte que caminha tentando se desvencilhar de alguns tabus. Outro marco importante para o público feminino brasileiro na arbitragem foi a presença de duas brasileiras no primeiro trio feminino a apitar um jogo de futebol masculino da Federação Internacional de Futebol (FIFA), durante o mundial de clubes de 2020. A dupla, juntamente com Ana Paula de Oliveira (analista de vídeo), também integrou o jogo inédito na Copa Libertadores com apenas mulheres na equipe de arbitragem.

Mas nem tudo são flores na trajetória feminina dentro da arbitragem, a luta contra o preconceito e a discriminação são diárias e por muitas vezes a barreira é construída dentro da própria federação, como relata Carolina Romanholi “Eu fui tirada da CBF, onde o meu presidente da comissão de arbitragem disse que estava me tirando porque eu não tinha feito o teste masculino, eu tinha feito o feminino e um mês depois eu tinha o direito de fazer o teste masculino, no qual ele disse que não ia deixar eu fazer. Inventando milhares de desculpas que não condizem com o que ele queria, que era me tirar e pronto. Ainda sobre as dificuldades, ela diz que “com certeza ser mulher é bem mais complicado dentro da arbitragem. Hoje em dia não está tão difícil, mas quando entrei era complicado demais, existia muito mais preconceito e discriminação.” 

A mulher que quer trabalhar em jogos masculinos, pelo menos no brasileiro, ela tem que passar no teste físico masculino.

O futebol brasileiro tem crescido e está se tornando cada vez mais popular, é necessário que a arbitragem acompanhe esse crescimento, com árbitros que se dediquem com exclusividade a exercer a função. Entre baixa remuneração e riscos de agressões, esses profissionais buscam estabilidade na função, o  meio do futebol debate constantemente sobre a profissionalização dos árbitros e mudanças na relação trabalhista com as federações e a CBF, a lei que regulamenta a profissão já existe desde 2013, mas as entidades ainda não fizeram nenhuma mudança no vínculo empregatício.

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