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Jurídico: Defensoria Pública tem papel essencial no processo de adoção de crianças e adolescentes

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Famílias que não possuem condições para arcar com os custos de um advogado particular podem contar com a assistência jurídica gratuita de um Defensor Público

Foto: Da esquerda para a direita:  Natália, Cynthia e Bia, no aniversário de 33 anos de Cynthia. (Fonte: Arquivo Pessoal)

“Gosta de animais, se dá bem com pessoas idosas, gosta de café e de ler”

Essa era a breve descrição de Maria Biatriz, na ficha de adoção apresentada a Cynthia Queiroz, uma assistente de projetos de 33 anos, e a sua esposa, Natália Suellen, médica, de 36 anos. Foi durante a pandemia, em 2020, que munidas pelo desejo de Cynthia, as duas decidiram adotar.

O primeiro passo foi procurar a Acalanto, ONG que presta orientação a famílias que desejam adotar. As duas puderam, então, conhecer as etapas que envolvem o processo de adoção de crianças e adolescentes, uma jornada que envolve amor, perseverança e, sobretudo, paciência. 

“A maternidade para adoção é extremamente questionada dentro da sociedade. ‘Cadê a mãe de verdade dela?’. A mãe de verdade dela sou eu e a Natália. Nós somos as mães de verdade dela. Essa é a luta que a gente mais enfrenta”, diz Cynthia, quando relembra um episódio de preconceito que sofreu ao tentar matricular Bia na escola.

O processo de adoção começa na Primeira Vara da Infância e Juventude, com a etapa de habilitação, que envolve desde a entrega de documentos e cursos de capacitação até a avaliação psicossocial. Para Cynthia e Natália, a habilitação teve início em julho de 2020 e, em maio de 2021, as mães já estavam com a guarda e a certidão de nascimento de Bia com seus nomes. 

Considerado apto para adotar, o casal pôde ingressar no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). É no CNA onde são mapeadas as crianças destituídas do poder familiar que condizem com o perfil escolhido pelos adotantes. 

Ao contrário do que muitas pessoas podem imaginar, nem todas as crianças em situação de abrigo estão disponíveis para adoção. Para uma criança ser adotada, ela precisa estar destituída do poder familiar, como é o caso da Bia, cuja destituição data de 2018. A maioria das abrigadas devem ficar nestas unidades apenas por período determinado, até que alguma questão familiar seja resolvida.

O procedimento para adotar é isento de taxas, no entanto, há a necessidade da intervenção de um advogado. Se a família não possui renda para arcar com os custos de um advogado particular, pode procurar a Defensoria Pública para ingressar no processo com a assistência jurídica de um Defensor Público, de forma gratuita. Cynthia e Natália contaram com a assistência jurídica da Defensoria Pública do Estado do Ceará durante todo o processo, desde as visitas da equipe técnica até a audiência final. “Tanto para a habilitação quanto para o processo final, nós não gastamos um real. E todos os documentos também conseguimos de forma gratuita”, afirma Cynthia.

Agora elas são três

Foto: Mães e filha no Museu Das Ilusões. (Fonte: Arquivo Pessoal)

A crença de que o processo para adoção de uma criança é muito demorado acaba desestimulando casais que sequer tentaram ou pesquisaram a fundo sobre o assunto. O Defensor Público titular da 3° Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, Adriano Leitinho, explica que uma das maiores causas para a demora nas filas de adoção é o perfil exigido pelos adotantes: geralmente crianças brancas, do sexo feminino e recém-nascidas. Um perfil distante da maioria das crianças em Fortaleza.

“Quem determina o tempo dos processos não somos nós, não é a lei, mas o adolescente. (…) A gente não pode acelerar o processo em prejuízo da proteção integral da criança e do adolescente”, explica Adriano.

Na contramão da maioria, Cynthia e Natália optaram por um perfil de idade entre 7 e 14 anos, possibilitando que a Bia, na época com 13 anos, entrasse em suas vidas. O casal recebeu uma foto de Bia, com a curta descrição que abre essa matéria. As duas, então, decidiram conhecer a adolescente. “A primeira vez que vi a Bia em vídeo foi no dia do meu aniversário, em 8 de março, de 2021. A gente comprou um bolinho e cantamos parabéns a distância”, relembra Cynthia.

Foi no Dia da Mulher de 2021, com uma comemoração singela, que as três iniciaram a relação de mães e filha. Após o primeiro contato, passaram a conversar todos os dias por mensagens de texto e videochamadas. Até que os encontros online se tornaram presenciais e Bia já podia passar fins de semana na futura casa dela. “A adoção é efetivada quando realmente existir vínculo com a criança e vínculo a gente só consegue com o tempo” explica Cynthia quanto aos prazos do processo de adoção.

Defensoria Pública pelo Direito da Criança e do Adolescente

Os serviços que a Defensoria Pública presta no que se refere a processos de adoção não se restringe à ação adotiva em si. É o que explica Adriana Paz, Defensora Pública e Dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (NUDECA), do Rio Grande do Sul. 

“A Defensoria Pública pode auxiliar ingressando com o pedido de adoção pelos pais adotivos e na defesa dos pais biológicos. Muitas vezes atuamos pelas duas partes do processo, mas, nesse caso, a defesa dos pais adotantes e dos pais biológicos é feita por Defensores diversos em virtude da colidência de interesses”, explica Adriana.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para adotar uma criança é preciso ter mais de 18 anos, ser 16 anos mais velho que a criança adotada, sendo proibida a adoção dos próprios irmãos e, em casos de adoção conjunta, é preciso casamento civil ou união estável. Casais divorciados também podem adotar juntos, desde que concordem com a guarda compartilhada e o regime de visitas. De acordo com Adriano Leitinho, o pedido de adoção é analisado de forma indistinta, independentemente de gênero, orientação sexual ou religião do casal. Vale ressaltar que pessoas solteiras também podem adotar sozinhas sem dificuldades. 

“Se não tivesse o serviço da Defensoria Pública (…) muitas dessas crianças iriam continuar dentro das unidades de atendimento, ou nas ruas, à revelia de políticas públicas, passando necessidades e muito provavelmente não se desenvolveram enquanto pessoa”, explica Adriano.

Entrega Solidária: um ato de amor

A entrega solidária é outra área de atuação da Defensoria Pública, para processos de adoção. O Projeto Cegonha: Mãe Ciente, Adoção Eficiente, da Defensoria Pública do Ceará, oferece capacitação para acolhimento humanizado de mães e gestantes que desejam fazer a entrega voluntária. O treinamento é voltado para profissionais do CRAS, CREA, CAPS, PSFs, hospitais e maternidades. 

Desde 2017, entrou em vigor no Brasil a Lei nº 13.509 (Lei da Adoção), que alterou alguns artigos do ECA, dentre eles o artigo 19-A, que permite a entrega voluntária de uma criança para adoção pela mãe, após ou antes do nascimento, garantindo sigilo e amparo legal por intermédio da Vara da Infância e da Adolescência.

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção (SNA), em 2021 foram registradas 1.238 entregas legais para adoção em todo o território nacional. Até maio deste ano, já foram entregues 484 crianças para adoção, de forma legal e segura. Dentre os principais motivos que fazem uma mãe entregar seu filho, estão dificuldades financeiras, desemprego, falta de moradia e abandono, seja por parte do genitor ou da rede de apoio familiar.

Se a mulher deseja entregar seu filho para adoção, pode manifestar interesse para a equipe médica, que deverá acionar uma equipe multidisciplinar, incluindo acolhimento psicossocial, para formalizar a decisão com a Vara da Infância e da Juventude. Vale ressaltar que não é crime entregar uma criança legal para adoção, mas abandonar uma criança sim.

Adoção tardia: amor que se constrói

Foto: Cynthia, Natália e Bia comemorando o aniversário de 15 anos de Bia. (Fonte: Arquivo Pessoal)

A adoção envolve todas as graças e dificuldades da criação de um indivíduo, assim como ocorre com filhos biológicos. As crianças e adolescentes adotados crescem, se tornam adolescentes, podem tirar notas baixas e cometer erros assim como todas as pessoas. 

É equivocada a ideia de que crianças adotadas devem ser eternamente gratas à nova família e fazer de tudo para agradar seus pais, como se devessem algo. Quando a adoção é, na verdade, um ato de amor e não de caridade ou dívida.

“Desde o começo tivemos muita seriedade e clareza, fomos muito verdadeiras em todas as conversas, tanto nas boas quanto nas ruins. E acho que, por conta disso, nosso processo de adaptação foi muito tranquilo”, relembra Cynthia.

Essa reportagem se inicia com a descrição de Bia na ficha de adoção. Uma descrição breve e genérica, mas que despertou em Cynthia e Natália o interesse de conhecer aquela menina. Hoje, Bia tem 15 anos e, após um ano de convívio familiar, mães e filha se conhecem melhor a cada dia e estreitam laços a ponto de conseguir ler uma à outra de forma muito mais íntima.

“Bia é uma adolescente sonhadora, muito carinhosa, adora realmente os animais e se dá muito bem com os idosos. Adora assistir séries. Ler nem tanto. Ela sonha um dia em ser advogada, delegada, quer estar nesse mundo do Direito. É o sonho dela, então ela está estudando e se esforçando bastante”, descreve Cynthia, mãe da Bia, após um ano de convívio familiar.

Confira abaixo o guia para adotar uma criança com ajuda da Defensoria Pública:

Texto: Keyssianne Morais (Jornalismo / UNI7)

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