Da margem à onda: influência do surf no renascimento da Leste Oeste
Com passado de abandono e criminalidade, Praia da Leste teve sua realidade transformada com incentivo ao surf
Por Luiza Diniz Barroso
Quem passa pela Av. Presidente Castelo Branco no bairro Pirambu se depara com a paisagem litorânea que se estende ao longo do caminho. A areia dourada e o mar de águas cristalinas da praia da Leste Oeste carregam histórias de personagens que ajudaram a transformar o cenário de marginalidade da região.
Tendo o surf como principal ferramenta de transformação e recebendo visitantes de todos os lugares do Brasil, a praia ainda é alvo de preconceito devido à falta de informação e aos estigmas que se perpetuaram durante anos.
De acordo com o censo do IBGE de 2010, o Pirambu é a terceira maior favela do Nordeste e a sétima do Brasil, com pouco mais de 42 mil moradores. O início da ocupação dessa área ocorreu por volta da década de 1930, pelos operários das indústrias recém-instaladas em Fortaleza e da construção do porto do Mucuripe.
Com esse movimento, os cidadãos mais abastados migraram para outros bairros, criando assim a fama, que persiste até hoje, de que o Pirambu é um local de miséria e ameaça.
Insegurança
“A praia da Leste antigamente era muito perigosa. Só quem descia era o pessoal da comunidade, porque se viesse alguém de fora era roubado”, conta Nailson Souza, 34, nascido e criado na comunidade Moura Brasil, que foi parcialmente demolida com a construção da Av. Leste Oeste em 1970.
É difícil imaginar o panorama trazido por Nailson, diante do cenário que encontro ao entrevistá-lo. Enquanto conversamos, os alunos da NS Escola de Surf, da qual é proprietário, confraternizam durante um café da manhã posto na mesa da varanda.
As risadas, a música tocando ao fundo e a imensidão do mar a poucos metros da entrada da escola, são partes da rotina de uma manhã de domingo no local.
Quem também traz na memória lembranças desse, não tão distante, passado na Leste Oeste é o surfista Augusto César, 40. Cesinha, como é conhecido na praia, surfa desde os 12 anos de idade por incentivo de um tio que também praticava o esporte. O surfista recorda o abandono da região naquela época, onde grande parte da praia era tomada pela vegetação natural e pelos morros de areia.
“As pessoas de fora tinham medo daqui. Medo de serem roubadas por estarem perto do Pirambu, da favela. O surf ajudou muita gente daqui a sair da criminalidade, tem vários projetos que ajudaram muito e continuam ajudando“, conta o surfista.
Para além dos relatos, a redução dos delitos com a ocupação da praia da Leste Oeste, pode ser evidenciada através dos números oficiais divulgados no site da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS).
Para mapear toda a cidade de Fortaleza, os bairros são divididos em 10 zonas chamadas de Área Integrada de Segurança (AIS). O relatório divulgado pela SSPDS com as ocorrências de furtos registradas até abril de 2024, traz a AIS 8, composta pelo Pirambu e mais 6 bairros, com 365 casos, o menor índice da capital cearense.
Poder do surf
Foto: @rocha_personalsurf
A história de abandono da Leste Oeste ficou no passado após a disseminação do surf na região. O esporte, praticado pelos nativos que frequentavam a praia, foi responsável por trazer visitantes de outros locais da cidade. Francisco da Rocha Filho,43, é dono da Rocha’s Surf School e viu de perto a transformação do local onde sempre viveu.
Surfista desde os 10 anos de idade, ele relembra a falta de estrutura da praia no período da sua infância e compara com a realidade atual. “A minha história no surf começou com um pedaço de tábua na direção do mar. Nada disso existia aqui”, relata enquanto aponta para as escolinhas e barracas montadas na orla.
“Teve muita mudança e continua tendo. As escolinhas deram uma cara nova na praia, geraram renda. Tem gente de tudo que é canto hoje em dia na Leste. Os barraqueiros também foram caminhando junto com a gente, temos boa estrutura pra receber qualquer um que vier “, diz.
De volta à varanda da NS Escola de Surf, converso com Islange Rabello,32, esposa do Nailson e gestora da escolinha. Enquanto os alunos se preparam para entrar no mar e iniciar mais uma aula, ela fala sobre o Maré Azul, projeto idealizado pelo líder comunitário Pedro André em parceria com o casal, que só foi possível através do surf e da mudança no cenário da Leste.
O programa, iniciado há dois anos, disponibiliza aulas de surf gratuitas para crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Com o apoio do SESI e do projeto Juventude na Onda da Prefeitura de Fortaleza, a NS atende 60 crianças atualmente e outras 100, aguardam na lista de espera. Islange relata que além das crianças da comunidade Moura Brasil, a escolinha também atende famílias de outras localidades da cidade.
Ao falar sobre o projeto, a gestora da escolinha reitera que mesmo com as transformações dos últimos anos, o estigma sobre a praia da Leste Oeste segue vivo.
“Quando vem alguém pra marcar uma aula e falamos o endereço, a pessoa pensa que é uma praia suja, que só tem bandido. E quando chega aqui vê que é totalmente diferente. Tem família sentada na beira da praia, criança correndo. É uma praia limpa. Mas tem a questão do cheiro, né? Que infelizmente as pessoas associam a praia “, frisa Islange.
O cheiro ao qual ela se refere, vem da estação de tratamento de esgoto da Cagece, que fica na Av. Leste Oeste. Após pressão da população, a Cagece vem trabalhando para reduzir o forte odor sentido por quem passa pelo local, mas ainda não foi apresentada uma solução definitiva para neutralizar os gases provenientes dos esgotos domésticos.
“Você passa ali na avenida e sente o mau cheiro. Mas quando desce pra praia, não sente nada. A água é limpíssima”, pontua Cesinha.
Durante nossa conversa, é possível perceber o carinho e o respeito do surfista pela Leste. “A gente cresceu junto aqui, a galera é muito unida, sabe? Eu acho que é o clima, o ambiente, né? É muito mais do que qualquer praia“, relata.