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CONSCIÊNCIA NEGRA: A origem, conquistas e força do movimento racial

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Texto, Uni7 Informa

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A essência do movimento negro se origina a partir de um conjunto de movimentos sociais que têm como objetivo o combate ao racismo e a luta pela igualdade social independente de cor, crença e gênero

Na atualidade, o Movimento Negro é bastante popular por suas causas sociais, que trabalham em prol das reivindicações ao longo da História pelos direitos da população negra, que sofre racismo e as consequências dessa inferiorização há vários séculos. Com simpatizantes e participantes ativos espalhados por todos os continentes, essa mobilização movimenta milhões que, no dia 20 de novembro, celebram a luta pela igualdade e o respeito ao povo negro. Para entendermos a origem de todo esse movimento, é preciso adentrar alguns anos na história.

A origem

Após uma batalha longa e árdua devido a escravidão, foi apenas no século XIX que os negros foram legalmente libertados no mundo ocidental. O fato de o movimento escravista ter sido abolido, não evitou que ex-escravos seguissem sendo alvos de atitudes racistas e sendo inferiorizados. Com o objetivo de criarem uma segregação, pessoas de pele branca da alta sociedade do sul dos Estados Unidos e da África do Sul implantaram o Apartheid, movimento que após ser aprovado por lei, separava a população, impedindo negros de conviverem e desfrutaram dos mesmos direitos que brancos. 

O país do sul do continente africano, que conta com uma população branca de número expressivo, leva essa característica em desencontro com a maioria de pessoas negras no restante dos países da África. A população branca se origina a partir da colonização inglesa que marcou a segregação racial devido a hegemonia do poder político de pessoas brancas. À exemplo disso temos o fato de que o primeiro presidente negro da África do sul, Nelson Mandela, só tomou posse em 1994.

Nelson Mandela em sua posse a presidência da África do Sul

Os Estados Unidos mantiveram o regime de segregação racial do Apartheid até a década de 1960. Durante esse período, toda a população de pele escura não podia ter contato com pessoas brancas, mesmo para atividades do cotidiano, como frequentar as mesmas escolas e os mesmos espaços públicos. Tentando iniciar um movimento de mudança daquela realidade, nomes como Martin Luther King, Rosa Parks e Malcom X surgiram no cenário de luta a favor dos direitos dos negros naquele país. 

De formas divergentes, essas pessoas passaram a recriminar o racismo e defender a igualdade social independente de cor da pele. Enquanto Malcolm X usava da luta ofensiva e de atitudes radicais, Rosa Parks e Luther King utilizavam métodos como a resistência pacífica e desobediência civil. Apesar de crescerem de forma lenta, pois naquela época grupos como a Ku Klux Klan (uma organização assumidamente racista, antissemita e extremista) já existia e ganhava força em todo país, o discurso de luta contra a segregação racial dessas personalidades do movimento negro começou a ganhar notoriedade e apoio.

Martin Luther King, Rosa Parks e Malcolm X

Ao longo do século XX, outros grupos de força negra foram surgindo e se popularizando nos EUA, fortalecendo a união da comunidade negra em todo o país. O movimento Black Power e dos Panteras Negras (grupo radical revolucionário, com inspirações marxistas e táticas guerrilheiras) foram importantes para a conquista do fim do regime de segregação racial no dia 2 de julho de 1964.

Movimento Black Power e Movimento dos Panteras Negras

A pauta da luta antirracismo seguiu em evidência durante o final do século XX e início do século XXI, sempre levantada com mais holofotes quando acontecimentos envolvendo práticas racistas eram evidenciados pela mídia. Foi assim que Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi idealizaram um movimento através de uma hashtag das redes sociais.

No ano de 2013, quando George Zimmerman, acusado do assassinato de Trayvon Martin, adolescente negro, foi inocentado na Justiça, Alicia fez uma postagem demonstrando indignação à sentença. No post estava incluída a frase “black lives matter”. A expressão logo virou o termo acompanhado da hashtag, que viralizou na internet. A rede criada pelas três amigas logo foi adotada pela população, que passou a fazer protestos em todo os Estados Unidos e em sequência no mundo inteiro.

O evento mais recente que reacendeu a movimentação do Black Lives Mattter foi no dia 25 de maio de 2020, quando George Floyd, um homem negro, foi asfixiado por um policial de Minneapolis, durante uma abordagem. Houve ao menos 7.750 mil manifestações ligadas ao movimento em duas mil localidades dos 50 Estados americanos.

Manifestação do Black Lives Matter em protesto à morte de George Floyd

O movimento de igualdade racial Brasil

Com um passado marcado pela escravidão, o Brasil é um dos países que mais usou do sistema escravista com negros. A assinatura da abolição ocorreu apenas no dia 13 de Maio de 1888, o que como vimos anteriormente acontecer em outros países, não impediu que a população negra fosse marginalizada e inferiorizada, sendo impedida de se integrar à sociedade.

Durante o século XX, o movimento negro em solo brasileiro, teve a contribuição de pessoas ajudaram a movimentar e trazer a ideia da luta contra o racismo no país. O artista, escritor, político e ativista Abdias do Nascimento e a Iyalorixá (mãe de santo, líder de terreiro de candomblé) Mãe Menininha do Gantois, foram algumas das personalidades que ajudaram a trazer mais visibilidade à importância de preservar-se as religiões de matriz africana, trazendo respeito e mais informações sobre o berço cultural dos negros que vieram para o Brasil escravizados.

Além deles, nós contamos com nomes de importância em vários campos da sociedade brasileira e que através do sucesso em suas profissões, contribuíram para a valorização da luta do movimento negro, o geógrafo e professor Milton Santos, a filósofa e ativista Djamila Ribeiro e a socióloga, ativista e política Marielle Franco compõe esse grupo forte de pessoas que ao longo dos séculos XX e XXI, mostraram que o que diferencia o sucesso negro de um branco são as oportunidades.

Djamila Ribeiro e Marielle Franco

Mesmo ocupando números que equivalem a mais da metade da população brasileira, os negros ainda possuem uma quantidade muito inferior de oportunidades e privilégios em relação a população de pele branca, de acordo com dados do IBGE. O informativo “Desigualdades Sociais por Cor ou raça no Brasil” de 2019 aponta que os negros representavam 11,9% da parcela de pessoas ocupadas por cargos gerenciais, enquanto os brancos ocupavam 85,9%.

O Atlas da Violência brasileiro, edição de 2021 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) juntamente ao Fórum Brasileiro de Segurança Publica (FBSP), demonstra que os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no Brasil, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes, número 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.

Através de pequenos passos que ainda são dados a custo de muita luta e mobilização, o país vai conquistando vitórias a favor do movimento negro. O estabelecimento do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra se originou da data do assassinato de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo brasileiro, o Quilombo dos Palmares.

A criação do dia da consciência negra surgiu em 1978, pelo Movimento Negro Unificado, sendo oficialmente reconhecida pela Lei 10.639/03. Nesse dia, ONGs, setores organizados da sociedade, sindicatos, entidades ligadas ao movimento negro, instituições de ensino e a mídia promovem debates e programações voltadas a discussão da temática racial. O intuito da simbologia da data é que uma discussão sobre o racismo e as condições da população negra enfrentem no Brasil seja criada, possibilitando que cada vez menos, pessoas sejam inferiorizadas, hostilizadas e até mortas apenas pelo tom de suas peles.

A luta pela Consciência Negra no Ceará

O Ceará possui um passado conflitante quando se trata do reconhecimento e respeito à população negra. A ideia perpetuada e reafirmada de que o Ceará é a “Terra da Luz”, contempla o mito de que o estado não possui negros. Apesar da importância do dia 13 de maio (data em que foi oficializado o fim da escravidão no estado, quatro anos antes do restante do país), a abolição foi fruto da pressão social e de vários movimentos Brasil a fora. Até receberem liberdade oficializado por lei, alguns fatos históricos que ocorreram na província do Ceará foram marcantes para o abolicionismo: A Guerra dos Jangadeiros (que eternizou a memória e luta de Dragão do Mar) e as emancipações na Vila do Acarape, atualmente, município de Redenção.

Até os dias atuais, a população negra segue lutando pelo respeito e igualdade racial, além de defender a cultura, crenças e costumes através da consciência negra. Para que isso seja possível e se torne cada vez mais discutido e disseminado em sociedade, coletivos de comunicação como Ceará Criolo, portal cearense que existe há três anos e pauta a valorização da negritude precisam de cada vez mais visibilidade e apoio. Em um bate papo com o NPJOR, Bruno de Castro, criado e repórter do veículo, contou como surgiu a ideia do coletivo e qual a perspectiva da luta pela consciência negra no Ceará.

Equipe do Ceará Criolo

NPJOR: Em que momento e contexto foi pensada a criação do Ceará Criolo?

Bruno: O Ceará Criolo existe desde o dia 23 de outubro de 2018. O portal nasceu de uma capacitação que eu e outros 4 colegas (Rafael Ayala, Jessica Carneiro, Rayana Vasconcelos e Tatiana Lima) fizemos no sindicato do Jornalista sobre comunicação e igualdade racial que durou 4 meses, onde estudamos debates, discussões e diálogos sobre os temas. Ao fim da capacitação precisávamos entregar um produto antirracista. Avaliando as formas de produção e as experiências de cada um, decidimos criar um portal de comunicação. Assim nasceu o Ceará Criolo. No mesmo ano o portal já ganhou o prêmio de melhor veículo antirracista do Ceará.

NPJOR: Como o Ceará Criolo enxerga a realidade do nosso estado dentro do movimento de consciência Negra?

Bruno: O Ceará é um estado que historicamente renega a existência do povo negro. A justificativa que se tem para o Ceará ter sido o primeiro estado a abolir a escravidão 4 anos antes do restante do Brasil, é que aqui não tinha uma quantidade expressiva de negros, muito embora existam registros de que essa afirmação não é verdadeira, porém, esse ainda é um mito muito forte na nossa cultura. Crescemos ouvindo isso por toda a parte. O Ceará Criolo nasceu para mostrar que isso é mentira, por isso o nome escolhido tem essa provocação de afirmar que nosso estado é sim, Criolo. Existe uma cultura negra muito forte no Ceará, mas ela é embranquecida de forma intencional pelos veículos de informação, pelo poder público e intelectuais. O movimento de consciência negra vai na contramão disso. Somos um coletivo de comunicação que reforça o movimento negro na perspectiva comunicativa, afirmando o movimento de consciência negra dentro do jornalismo.

NPJOR: Quais pautas, movimentos e campanhas são promovidos e apoiados pelo Ceará Criolo?

Bruno: O Ceará Criolo tem como linha editorial colocar o negro como protagonista da própria história. A gente não repercurte pautas negativas no portal, ou seja, nosso conteúdo não se pauta em estatísticas de casos de racismo, mortes de negros vítimas de preconceito e etc. Esse tipo de abordagem nós não contemplamos por compreender que a mídia tradicional já faz isso, colaborando para o estigma sob a população negra e causando essa imagem violenta atreladas aos negros. Queremos criar esteriótipos positivos em relação a cultura e população negra, então nesse sentido, sempre damos visibilidade ou criamos campanhas antirracista.

NPJOR: Com a data do dia da consciência negra próxima, quais suas expectativas num futuro próximo para movimentação e conscientização perante a sociedade?

Bruno: É muito difícil produzir uma comunicação antirracista dentro de um estado que afirma não possuir negros. Por que se não tem negros e racismo, para que faremos uma campanha antirracista? A existência de coletivos de comunicação perde o sentido diante desse discurso, fazendo essas pautas serem invalidadas, quando na verdade é exatamente o contrário. Por os termos uma população de grande número negra e com episódios de racismo sendo frequentes, nós precisamos ter cada vez mais coletivos de comunicação e  movimentos sociais mostrando que a população negra é muito maior do que um episódio de preconceito, pobreza e violência. Por isso que o dia da consciência negra existe. Ele não foi criado para reforçar a luta negra contra o racismo e sim para mostrar que a população negra é bonita, intelectual e que pode ocupar o lugar que quiser na sociedade. Essa data se refere ao empoderamento da negritude. Minha expectativa é que esse debate sobre os direitos dos negros e minorias avance mais e conquiste novas pessoas, abrindo os olhares de todos.

Confira nosso podcast:

Produzido por Bernardo Barros e Bianca Lourenço com participação de Jandson Ferreira da Silva

Para conhecer mais sobre Jandson, acesse seu Instagram e site pessoal.

Texto: Fernanda Borges (8° semestre / Uni7)

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