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CINE FA7: O sertão no imaginário criativo do cineasta Rosemberg Cariry

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O cinema de arte e o roteiro de Corisco e Dadá foram alguns dos assuntos destacados durante entrevista, antes da exibição do filme

Rosemberg falou para a TV7 e destacou a produção cinematográfica no Ceará (Foto: Daniel Silva)

Rosemberg falou para a TV7 e destacou a produção cinematográfica no Ceará (Foto: Daniel Silva)

Com quase trinta anos do lançamento de seu primeiro documentário – O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto (1986) -, Rosemberg Cariry, 58, é considerado uma autoridade quando o assunto é cinema. Convidado pela coordenação do curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro (FA7) para debater um de seus grandes clássicos “Corisco e Dadá”, o cineasta esteve na faculdade na manhã do último sábado, 13, para um debate, após a exibição do filme. Pouco antes do encontro com o público no auditório da FA7, Rosemberg, em entrevista ao Quinto Andar, destacou a importância da diversidade na cinematografia, além da importância do sertão, como espaço de criação.

Quinto Andar – Corisco e Dadá tem uma perspectiva voltada para o sertão, sua história e suas mazelas. Em sua obra esse é um tema recorrente, quase uma obsessão. Por quê?
Rosemberg Cariry – O sertão de certa forma é o lugar da criação. É também o lugar de grandes líderes e das grandes utopias, então eu tenho realmente um fascínio pelo sertão. E não existe um sertão, existe o sertão que a gente cria. Então, cada escritor, cada artista tem a visão de um sertão. Você tem o sertão de Ariano Suassuna, de Graciliano Ramos, que é um sertão seco né, muito duro. Tem também o de Guimarães Rosa, que já é uma coisa mais metafisica, que é um sertão que habita a alma do homem. Mas, o sertão, no geral, pode ser percebido como esse lugar da criação, da imaginação, o lugar do imaginário. E outra coisa importante é que grande mescla do povo brasileiro se dá no sertão. É no sertão que se misturam os ibéricos, os índios, os negros. Ou seja, é onde se dá a grande invenção do povo brasileiro.

QA – Corisco é um personagem que oprime. Durante o tempo todo fica clara essa opressão, que o homem do sertão sofre ora do cangaço, ora da polícia. Ainda hoje isso acontece. Mas, qual seria o equivalente na contemporaneidade?
RC – A coisa tem que ser vista com uma complexidade maior, pois ao mesmo tempo em que essa animosidade leva a uma submissão, também leva a uma subversão. Basta enxergar Canudos, onde aconteceu uma subversão da submissão, pois se não fosse isso o governo não teria mandado os canhões e tal. De certa forma, aquilo era um perigo à ordem vigente do grande capital e do latifúndio, então é mais complexa a questão. Eu acho que o Nordeste a partir da década de 1940 e 1950, principalmente quando surgem as ligas camponesas e o povo começa a se organizar, esse perfil começa a mudar e há movimentos populares e sociais que ajudam a mudar esse quadro.

O cineasta debateu por cerca de uma hora e meia com os alunos sobre o filme Corisco e Dadá (Foto: Daniel Silva)

O cineasta debateu por cerca de uma hora e meia com os alunos sobre o filme Corisco e Dadá (Foto: Daniel Silva)

QA – Nos últimos anos o sertão, que tanto lhe inspira, tem sido retratado de forma diferente em algumas obras, mais especificamente duas, Cine Holliúdy e o Céu de Suely. O que acha desse olhar mais moderno?
RC – Eu acho ótimo. O sertão comporta múltiplas linguagens, e uma cinematografia não pode ser entendida sem essa diversidade e nesse aspecto é muito importante. Uma das características do cinema do Ceará é que tem surgido o cinema espírita, o cinema de humor, agora você tem o cinema mais cético, tem o cinema experimental também. Então, se experimenta todas essas linguagens e nem uma é inferior ou superior à outra. Uma cinematografia se faz com a diversidade.

QA – Ainda sobre o sertão, nos últimos anos vivemos uma grave seca. Isso pode se tornar material para um trabalho futuro?
RC – Acho que a seca é uma marca profunda e trágica na nossa história. A alma cearense é marcada por essa tragédia, que não se esquece e vai passando de geração, em geração. É claro que hoje a seca, embora trágica, não tem mesma tragicidade de antigamente, que havia na seca de quinze, ou na seca de trinta e oito, até por conta do acesso que se tem de estrada, de transporte, de tudo, e até por uma ação social do governo. Mas, é claro, que o que está acontecendo nesse momento vai se repetir tanto em filmes como em livros.

QA – Como um entusiasta do cinema de arte e de um olhar mais crítico, o que você pensa de espaços de visibilidade e de discussão desses filmes, assim como é o Cine FA7, serem cada vez mais escassos, sobretudo no Ceará?
RC – Espaços como esse são de fundamental importância, porque cada vez mais existem menos espaços para o debate e para a discussão. E o próprio cinema de arte encontra pouco espaço para sua difusão. Só para se ter uma ideia, hoje nós temos 200 milhões de habitantes e um filme de arte consegue ter por volta de quinze mil espectadores no país inteiro. Na década de 1960, alguns filmes de arte conseguiram fazer algo em torno de 150 mil espectadores, quando tínhamos 90 milhões de habitantes. Então, percebemos uma redução porque é cada vez mais o cinema comercial, o cinema de shopping center, norte-americano ou de aventura… Então, dentro dessa realidade, espaços como esses são muito importantes, sim.

Após a conversa, Rosemberg seguiu para o auditório onde alunos e professores já o aguardavam. Dentre outros temas, durante o debate o cineasta mencionou a imagem de herói criada em torno de Lampião, que segundo ele, na verdade não era um justiceiro. E falou sobre um de seus personagens favoritos, o Cego Aderaldo, em sua leitura um injustiçado nas narrativas que contam a história do sertão.

Felipe Gomes
3º semestre

 

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