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PERFIL: As múltiplas faces de um artista

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Entrevistas

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As virtudes de Juninho Torres sempre foram um alicerce para consolidar suas relações familiares e as amizades de todos que o cercam

Quantas vezes você já reconheceu um ser humano muito tempo depois de apenas ter conhecido uma pessoa? É por meio de pequenas falsas impressões que normalmente caracterizam os nossos colegas de trabalho, amigos de faculdade, vizinhos de condomínio e tantas outras pessoas que fazem parte de nossa vida cotidiana. É por meio de um bom bate-papo, porém, que podemos nos aprofundar nos sutis traços de suas personalidades.

Juninho Torres, nascido Edmilson Torres da Silva Costa Filho, é uma dessas pessoas que de primeira impressão torna-se um agradável amigo, mas que carrega uma bagagem de virtudes e conhecimentos inestimável a olho nu.

O jovem de múltiplas personalidades cativantes é natural de Messejana, Fortaleza (Foto: Arquivo Pessoal)

Nascido na capital cearense em 1987, o jovem de olhos tão azuis quanto o mar do Caribe cresceu em um lar fortalecido pela união familiar, muito embora por motivos profissionais o pai estivesse sempre ausente. Também sob o nome de Edmilson (pai de Juninho), desdobrava-se para manter um mínimo de conforto à família, por isso permanecia em viagens por tanto tempo longe do lar, executando suas atividades profissionais no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), considerada a maior empresa pública de tecnologia da informação do mundo.

E assim se passaram seus dez primeiros anos de vida. Infância, aliás, que foi muito bem aproveitada nas ruas simples do bairro Messejana. Filho caçula (acompanhado por duas irmãs mais velhas), Juninho é só afeto ao falar da mãe, figura sempre presente, de fundamental importância para sua educação, bem como no processo de formação pessoal e profissional.

Aos poucos, as doces lembranças da infância começam a surgir. Brincar de soltar pipa, esconde-esconde e amarelinha lhe trazem o doce sabor de quando ninguém tinha medo de ser criança e fazer da rua a extensão do seu lar. Eram outros tempos onde ser criança era sinônimo de suar e brincar. Tempo este em que a tecnologia não era parte dos atrativos infantis e que se podiam vivenciar grandes experiências de forma física.

Estar com os amigos e realizar trabalhos em grupo também aparecem nas recordações da fase escolar. O “Juninho criança” aspirava em ser arquiteto. Mal sabia que seu destino logo se tornaria bastante diferente de seus sonhos profissionais infantis. A vida e os campos de visão passaram por transformações ainda muito cedo. Foi aos treze anos que, ao mudar-se de Messejana para o bairro Sapiranga, muitas coisas ganharam um novo sentido.

E, entre uma brincadeira e outra, a infância se despediu sorrateiramente, convidando-lhe a experimentar os sabores da adolescência que já lhe batia à porta. Das amizades de escola, algumas lhe restaram até à vida adulta. E, por falar em escola, foi nela em que muitas histórias se passaram. O bairro Cidade dos Funcionários sediava o Colégio Rachel de Queiroz II, onde coincidentemente seu pai atuou como professor. O ambiente escolar, aliás, sempre foi ponto de encontro da família, uma vez que seus pais se conheceram na escola, tanto Juninho quanto as duas irmãs puderam ter a figura paterna e o professor de escola numa mesma pessoa.

Acostumando-se ainda com as apreensões e surpresas características da adolescência, ele passa a não se mostrar tão íntimo (ou até mesmo próximo) dos familiares. Esta fase de mudanças lhe trouxe certo isolamento no que diz respeito a diálogos mais francos e abertos em família. É neste contexto que grandes descobertas íntimas acontecem, de forma sutil em suas palavras: Juninho se percebe homossexual.

Juninho é também Barbie Girl, um personagem cômico de eventos (Foto: Acervo Pessoal)

Com um rápido suspiro de quem se vê abordado de surpresa em algum assunto, o tema se desenrola com a declaração de que questões voltadas para sua orientação sexual nunca havia até então, naquela fase de sua vida, passado pela mente. Ao abordar este assunto compreende que tratar deste tema naquele período poderia não ser uma tarefa tão simples como se pensa atualmente.

Relações heteronormativas ainda lhe pareciam normais até então. Foi somente por conta do estudo do teatro que se descobriu com uma enorme admiração pelo professor. Tudo começou de maneira sutil. O sentimento de admiração se tornava saudade ao chegar a casa e recordar-se dos momentos em que estava na companhia do professor. A relação profissional e de amizade se converteu em relacionamento sério, porém não duradouro.

Embora essa nova descoberta íntima não tenha sido algo perturbador, simultaneamente se tornou um conflito por conta da sua relação sincera e transparente com os pais. O fato de viver novas situações sem poder contar aos genitores ou sem, ao menos, saber como contar, lhe trouxeram grandes incertezas. O processo, contudo, não foi tão demorado já que na fase entre os dezesseis e dezessete anos decidiu revelar-se. Por estar sempre próximo à mãe na resolução dos problemas domésticos, Juninho recorda-se de passar rotineiramente em frente a uma floricultura, quando teve o insight de como resolveria tudo de forma bastante prática.

Depois de perceber que a mãe tinha se encantado com um arranjo da tal floricultura, veio a ideia de comprá-lo. Por gostar de escrever, optou em reunir tudo o que estava vivendo em uma carta e assim o fez. Declarou que todo aquele contexto não era culpa de ninguém, que não era algo que havia acontecido da noite para o dia e pela certeza daquilo que sentia era algo que gostaria de contar para ambos (pai e mãe). Quando a carta foi entregue resultou um enorme impacto emocional para a mãe que afirmou no mesmo momento que seu pai estaria passando mal ao saber da notícia de sua homossexualidade.

Ao chegar a casa, Juninho encontra o pai deitado numa rede onde costumeiramente ficava a assistir novela. Ainda surpreso o pai o recebe com um: “Boa noite, meu filho. Tudo bem com você?”. Cheio de humor ele aponta para o pai e pergunta para a mãe: “Não era ele que estava morrendo?”. Tudo não passara de um mal entendido, talvez uma vã tentativa da mãe em querer reverter a situação por achar que não era verdade o que acabara de saber. Essa facilidade dos pais em lidar com a situação, Juninho atribui sua postura sempre sóbria e comportamento que fazia com que os mesmos depositassem nele total confiança independente de qualquer revelação.

A casa da tia tornou-se um lar temporário durante esta fase conturbada. Enquanto a mãe chorava tentando entender a situação, o pai o visitava todas as noites, inclusive preparando o lar (por meio da reforma de seu quarto) para que Juninho pudesse retornar ao convívio doméstico. Com o tempo, tudo se esclareceu e a relação com os pais tornou-se incrível e cheia de amor mútuo.

Foi também durante a juventude que a afinidade com seus múltiplos talentos veio à tona. Tudo começa no momento em que decide atuar como “figurante” em quadros de reconstituição na TV local. Mas, isso, foi decorrência de um processo de experimentação no campo das artes. O primeiro deles foi o estudo do teatro, passando ainda por concursos de música e outras atividades.

Mesmo sem o conhecimento dos pais, a inscrição em concursos musicais era realizada periodicamente. O amor pela música durante a adolescência se manifestou como uma das atividades que vinha como prioridade em suas performances favoritas. O tempo passou e o talento se estendeu também para as festas de família.

A diversão ficava por conta das idas ao cinema e das constantes viagens com a família. Aliás, viagens estas que são relembradas com um sentimento de empolgação, certamente por conta da enorme quantidade de tios (todos cearenses) que estavam sempre reunidos. Mas, não se engane que o rapaz de feições angelicais não aprontou suas estripulias durante a juventude. O já extinto “Sítio Siqueira” foi o local escolhido para com aos vizinhos curtir a noitada. O que foi uma noite de forró havia sido informado para a mãe que seria tão somente uma noite de orações na igreja. Afinal, quem nunca?

Do medo inicial de ver tanta gente aglomerada – o que até então era um contexto desconhecido -, passou a se tornar algo corriqueiro. E o baú de lembranças é aberto oficialmente quando se recorda do “Trivela”, extinto show que era realizado tradicionalmente na capital cearense pela banda Asa de Águia, de suas primeiras participações do Fortal – micareta realizada na despedida de férias -, festas no Forró no Sítio e Cantinho do Céu, antigas casas de show que eram consideradas como point da moçada forrozeira naquele período.

Dos primeiros trabalhos no início da carreira, surgiu a vaidade em poder escolher cada peça que faria parte de seu guarda-roupa. Pouco tempo depois surgiria a composição dos looks que tornaria uma paixão profissional. O ato de olhar os estilos e as tendências apresentadas na televisão seria o pontapé necessário para a escolha do curso de Designer de Moda, como sua primeira formação acadêmica, aos 22 anos de idade. Por falta de estímulo familiar a escolha transformou-se num desafio. Logo as dificuldades se transformaram em certeza de uma decisão tomada de forma acertada.

Grandes conquistas foram sendo realizadas neste processo de formação acadêmicas. O gosto por produção de eventos foi um deles. Mas, algo maior estava por vir. Há algum tempo, Juninho havia criado um personagem humorístico chamado “Barbie Girl”. Esta por sua vez lhe apresentava perspectivas de remuneração financeira ao apresentar-se em eventos institucionais, casamentos, aniversários e outras tipos de eventos. Sendo assim, porque não unir moda e entretenimento? A aquisição de um livro vindo de Portugal, intitulado “O Mito da Barbie” foi peça fundamental na junção de todas essas paixões: humor + produção de eventos + moda.

Diferente dos tradicionais personagens do humor cearense, marcados pelo aspecto exagerado e caricato, a então “Barbie Girl” ganhava ares de delicadeza, sendo construída como um personagem mais “limpo e refinado”. Com essa decisão, o humorista viu a agenda de apresentações praticamente triplicar. Quanto maior o investimento na personagem, maior era o retorno.

Juninho na presença de familiares e amigos (Foto: Acervo Pessoal)

Em 2010 veio seu primeiro trabalho fixo de grande destaque na capital cearense. As apresentações em uma tradicional casa de show da beira mar lhe renderam o suficiente para investimento em sapatos, figurinos e acessórios, itens fundamentais para melhorar o visual de sua personagem. O tempo, mais uma vez, avança. Criador e personagem tomam conta de seus destinos e passam a caminhar com suas próprias pernas. Embora sejam diversas as habilidades profissionais acumuladas no decorrer da vida, a personagem hoje se tornou parte integral do seu dia a dia, bem como a fonte de parte majoritária de seus lucros.

Lamentavelmente, todo bônus pode vir acompanhado de um ônus. A personagem adquiriu contornos pessoais de quem tem identidade própria. Juninho revela que entre 2014 e 2015 chegou a noivar, porém a falta de tempo, a maneira como os homens (público) assediavam a personagem, seu noivo despertou ciúmes de todo o contexto, findando assim a relação. Aliás, por ser uma personagem feminina, há ainda quem considere uma forma de travestismo, o que dificulta em questões de relacionamento afetivo. Por outro lado, a maneira como se porta durante suas apresentações, encanta e atrai o público infantil de maneira quase hipnótica.

Hoje, tudo é motivo de festa no aconchego do lar. Acolhido pelos pais, Juninho transpira confiança e afetividade ao falar do respeito e amor que recebe da mãe quando adentra em questões de orientação sexual. Se a pauta é relacionamento íntimo, encontra na figura paterna, de forma mais aberta, toda a aceitação e entendimento que um filho poderia querer. O mesmo pai que antes, por motivos profissionais, fora ausente do lar, hoje busca recompensar com amizade e parceria a relação com o filho. As irmãs, também presentes e companheiras, atuam como terapeuta ocupacional e professora, respectivamente.

Cantar, interpretar, fazer humor e produzir. Pela contagem torna-se quase inimaginável que uma pessoa possa desenvolver tantas vertentes profissionais e, acima de tudo, possa explorar cada uma delas com maestria. A rotina de Juninho Torres se divide entre tudo aquilo que lhe aquece a alma e o coração.

 

Texto: Luiz Fernando Pereira de Souza (8º semestre – Jornalismo)

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