A vida e a poesia no Poço da Draga
Domingo de manhã. Um lugar onde passo sempre e não entro nunca: Comunidade Poço da Draga. Poço colorido, gente, gato, cachorro, mercearia, tapioca com café feito na hora, peixe a venda com um gato a espera do descuido do dono, uma senhora que passa e diz: por que vocês não vão lá em casa fotografar meu pé de manga? Tá enorme! Um sorriso da senhora que conversa qualquer coisa com o dono do depósito, a cautela da outra que recolhe a roupa já seca do sol escaldante, o senhor que mostra a foto da família, ancestrais e mais histórias…
Pisar na merda do cachorro, não uma, duas vezes (é dinheiro, dizem), a geladeira que serve de armário na garagem de alguém que utiliza restos pra fazer artesanato, uma moto de prego e parafuso: “mas, meus netos vêm e acabam com tudo querendo brincar”…
A parede que diz que o mar abraçou João, o velho bebendo São Braz que não precisa dizer que fiado é só amanhã, o flanelinha que diz que a fotografia deve ser analisada em sua morfologia e sintaxe, pergunta: qual o momento mais importante da sua vida? O sério catador que ao ver de longe a lente apontada pra si, se entrega à pose e ao sorriso, a mão forte de criança registrada no amarelo da parede, um cano solitário que vomita a gota d’água.
A vida é uma poesia.
À fotografia, que me lembra, todo dia, que o mundo não é a minha bolha.
Texto e fotos: Letícia Alves (Jornalismo – 8º semestre)
(*) Ensaio fotográfico para oficina Poço de Memórias
[Dragão do Mar em parceria com Descoletivo]
Julho de 2016