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MUSEU: Chamas do esquecimento de um Brasil que não valoriza sua história

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Texto, Uni7 Informa

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Incêndio queimou o quinto maior acervo do mundo, e as chamas consumiram o fóssil de 12 mil anos de Luzia, descoberta que refez todas as pesquisas sobre ocupação das Américas

“Todos que por aqui passem protejam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na história de um povo que soube construir o seu próprio futuro”
Inscrição na entrada do Museu Histórico Nacional

Estátua de D. Pedro II assiste à tragédia do Museu Nacional. (Foto: Reuters)

Extintores sem pressão, problemas de logística, descaso com a educação e a pesquisa, além da falta de dinheiro. Estas foram algumas das queixas feitas à tragédia ocorrida neste domingo, 2 de setembro de 2018, em que um incêndio consumiu grande parte do Museu Nacional, situado na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio de Janeiro.

Talvez soe como uma notícia banal, como os diversos acidentes que acontecem em arquivos, museus e bibliotecas mundo afora, como aconteceu com o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, o Memorial da América Latina, em 2013 e o Instituto Butantan, em 2010, entre outros, em São Paulo. Talvez isso não nos diga respeito aqui, do Ceará, visto que aconteceu na outra ponta do país. Talvez soe indiferente, já que boa parte da população não tem acesso ou é alheia à sensibilidade do momento.

Mas, como disse o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, em entrevista à GloboNews, essa tragédia é resultado de negligência.

O museu precisava de 520 mil reais anualmente para sua manutenção, valor que não era recebido integralmente desde 2013. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), órgão responsável pelo museu, já alertava a necessidade de verba há anos, segundo o reitor Roberto Leher, para manutenção de sistemas de prevenção de incêndios e revitalização do prédio.

Criado por D. João VI, o Museu Nacional completou 200 anos de existência em 2018. Era o mais antigo do país e segundo maior do continente americano. Moraram ali quatro gerações da dinastia de Bragança. Foi o local de nascimento e criação de D. Pedro II e suas irmãs, palco da assinatura da proclamação da independência do Brasil, em 1822, e da primeira Assembleia Constituinte da República. Atualmente, como museu, abrigava diferentes antiguidades etruscas, gregas e egípcias, além de fósseis de plantas e animais(inclusive dinossauros), meteoritos, documentos históricos da corte e Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas. Estima-se mais de 20 milhões de peças no museu.

E o que se perde?

Perde-se parte do patrimônio do Brasil, da América e do mundo. Carreiras, vidas dedicadas à conservação e à pesquisa de diversas áreas do conhecimento como história, paleontologia e botânica, lamentam profundamente a perda do acervo. Apesar de uma pequena parcela ter sido resgatada, não há volta para o que se perdeu.

Luzia, fóssil humano mais antigo das Américas, com cerca de 12 mil anos de idade. (Foto: Wilton Júnior, Estadão)

Segundo Katy Watson, correspondente sul-americana da BBC, o acontecimento pode ser visto como uma metáfora para a situação atual do Rio de Janeiro e do país: violência, recessão econômica e crise política. Descaso com a nossa cultura, responsabilidade não só federal, mas coletiva, de cada um de nós.

Mais que lamentar o ocorrido é momento de cobrar dos órgãos responsáveis, repensar o abandono para com a educação e a ciência, por em debate o que preservamos ou deixamos de preservar. O que se perde não é apenas material, mas parte da nossa memória que não será levada adiante, às gerações futuras.
Não podemos esquecer os momentos trágicos da história, como escravidão e ditadura. Eles são importantes para nossa identidade como brasileiros, um fardo coletivo que carregamos e que nos ajudam a criar um senso de coletividade e nação.

Até o momento, 24 horas do dia seguinte ao ocorrido, a fumaça continua forte e parte do prédio ainda arde. Mantenhamos, também, acesa a chama da indignação, e o cuidado para que percamos apenas um acervo, e não a nossa história.

“A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer.” (BURKE, Peter; historiador inglês)

Texto: Guilherme Magalhães (6º semestre – Jornalismo/UNI7)

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