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MEMÓRIA: Registros do Mucuripe no acervo de um jovem observador

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Criador de página que traz um resgate histórico do “reduto de pescadores” fala sobre a identidade e mudanças do bairro

Caminhar pela praia do Mucuripe é tentar se localizar na música homônima de Belchior, anunciando que “as velas do Mucuripe vão sair para pescar”. A imagem de “vila dos pescadores” que o bairro ainda hoje carrega disputa o olhar com grandes prédios residenciais à beira mar, destoando do retrato tradicional. Entre essas duas realidades está o turismólogo Diêgo di Paula, 28, que há três anos resolveu expandir suas informações sobre o bairro para a rede criando a página Acervo Mucuripe, dedicada não só a memória da comunidade, mas também como ambiente de troca de informações e lembranças.

Diego atento a fazer registros do espaço tradicional do Mucuripe (Foto: Henrique Jucá)

Na página, Diêgo reúne fotos, vídeos, livros e artigos sobre um lugar que atualmente passa por transformações em seu território. Muito do material chega até ele por doação ou indicação de amigos e de seguidores da página, que somam mais de duas mil pessoas. O jovem também é um investigador da própria região, registrando em sua câmera qualquer evento corriqueiro: Breakdance no Mercado dos Peixes, venda informal de pescado na área da praia, pescadores consertando barcos velhos, as rodas de conversa das marisqueiras e o pôr do sol próximo do Pirambu, ofuscado pelos edifícios.

Aproveitando uma tarde de sábado no Parque Riacho do Maceió, Diêgo fala sobre a página, sua vivencia no Mucuripe e seu pensamento a nova identidade do bairro.

Quinto Andar – Como surgiu o Acervo Mucuripe?

Diêgo di Paula – O Acervo já existia há bastante tempo sendo físico. Durante uns 5 anos passei a fotografar o bairro, a comunidade, os conjuntos existentes dentro do Grande Mucuripe e chegou um momento que me surgiu a necessidade de compartilhar isso com as pessoas. Já compartilhava com alunos de outras universidades e pesquisadores com acesso à minha casa. Como não dava para trazer todo mundo até lá, decidi compartilhar para todos criando o Acervo Mucuripe.

O turismólogo reune diversos materiais que são doados por amigos e seguidores da página, como livros e artigos (Foto: Henrique Jucá)

QA – Como funcionava esse espaço físico?

DP – Funcionava na minha casa. Muito antes do Acervo que eu estou construindo existia no bairro uma pessoa chamada Vera Miranda que também tinha um museu, o Museu do Mucuripe. Só que com o tempo a Vera, que é filha do Mucuripe, adoece e precisa mudar de bairro. Parte do acervo dela fica com a família e a outra parte fica com a igreja, onde há um memorial lá dentro. Como o bairro perdeu um espaço de consulta, mesmo com algumas escolas com livros em suas bibliotecas, eu decidi reunir tudo que já tinha e criar o acervo físico e só recentemente na internet.

QA – Há quanto tempo você mora na região?

DP – A idade que tenho, 28 anos. Eu cresci vendo todas as modificações do bairro, não só estruturais, mas também até pelo próprio nome do bairro, pois ele acabou ganhando novos nomes no decorrer do tempo. A comunidade acabou ficando dispersa, se é que posso falar dessa forma. Uma comunidade que era muito unida acabou ficando segregada com os anos.

As pessoas têm esse saudosismo daquele bairro onde todo mundo se conhecia, mesmo com os conjuntos não sendo tão próximos. Nos últimos tempos a gente não vê mais esse “se conhecer”, pois elas não se conhecem mais.” Diêgo de Paula

QA – Que memórias especiais você tem do bairro?

DP – Ir várias vezes, durante a minha infância, brincar na praia com meus primos. Havia outros equipamentos para a comunidade aqui e aproveitei muito essa fase.

QA – Os antigos moradores também conseguem enxergar suas próprias memórias na página?

DP – Sim e isso é bem visível. Quando elas veem as fotos ficam muito saudosas com o espaço que antes, por exemplo, era público e passou a ser privatizado. As pessoas têm esse saudosismo daquele bairro onde todo mundo se conhecia, mesmo com os conjuntos não sendo tão próximos, pelos eventos e tudo mais. Nos últimos tempos a gente não vê mais esse “se conhecer”, pois elas não se conhecem mais.

QA – A página é também uma ferramenta de mobilização no bairro em questões sociais?

DP – O intuito da página era mostrar a memória e a história do bairro que eu tinha guardado no meu acervo, só que podemos agregar várias coisas na página, para tentar fazer uma mobilização social; tentar resgatar não só a história, mas também promover atos que podem ser feitos pela cidade, como uma simples pintura no muro ou uma varrição numa rua. Acho que a página pode ser uma ferramenta que pode ajudar a fazer ações para o próprio bairro.

Tem sido uma troca bacana isso que acontece com a página, eu estou aprendendo muito mais do que já sabia, agregando esse conhecimento cientifico que eu já tinha com o conhecimento empírico, dentro desse processo de construção da página.Diêgo di Paula

 QA – O Acervo conta com fotos, vídeos e artigos científicos. Como você chega a esse material?

DP – Muitos dos materiais eu já tinha guardado, pesquisando durante minha graduação em Turismo, mas nada muito afundo. Nos três últimos anos eu recebo matérias de amigos, por reforçar muito o nome do bairro, as pessoas vão descobrindo fotos do Mucuripe, trabalhos, monografias e vão me repassando pelas redes sociais ou e-mail, ou me indicando onde posso encontrar. Eu vou até o local dependendo da disponibilidade.

Para Diego, os novos prédios fazem parte de “um desenvolvimento que com o tempo vai segregando velhos moradores” (Foto: Henrique Jucá)

QA –  Além de artigos, você capta dessas pessoas memórias especiais delas?

DP – A página é uma forma de troca. Eu coloco uma imagem e às vezes não posso dizer muito sobre o contexto dela, pois ninguém sabe de tudo. Então faço uma pergunta e acabo descobrindo coisas das pessoas que moravam perto daquele determinado recorte espacial da foto. Tem sido uma troca bacana isso que acontece com a página, estou aprendendo muito mais do que já sabia, agregando esse conhecimento científico que eu já tinha com o conhecimento empírico, dentro desse processo de construção da página.

QA – O Mucuripe tem uma imagem folclórica de comunidades onde as pessoas vivem do mar e da pesca, e hoje há uma mudança com os empreendimentos milionários do ramo imobiliário no bairro. Você acha que a página tem esse papel de resgate das memórias tradicionais?

DP – O Acervo mostra em suas fotografias, livros e trabalhos acadêmicos o histórico de desenvolvimento do bairro, o que tem sido uma questão de discussão: O desenvolvimento que não incluiu a comunidade que aqui mora há muito tempo. É um desenvolvimento que com o passar do tempo vai segregando os velhos moradores, vai especulando cada vez mais a área e passa a receber novos moradores.

QA – Você é um rapaz bem jovem e está fazendo o resgate de um bairro que tem uma existência bem vasta. Você se vê como um exemplo para que outros jovens façam um resgate das memórias dos locais onde vivem?

DP – Digamos que o acervo seja um espaço de exemplo dos propósitos que eu faço, que é guardar a memória, pois ela é um ponto de referência para que daqui a algum tempo elas possam ter isso como base principalmente para sua própria vida. Ele tem essa proposta de estimular as pessoas a se conscientizarem com a história, o valor sentimental e a identidade que o bairro possui e que está caindo no esquecimento. A ideia é pegar tudo isso e causar impacto na vida das pessoas.

QA – Que novidades o site pode oferecer aos seguidores daqui para frente?

DP – A vontade que tenho é ter um espaço físico maior. Ter um espaço para, quem sabe, receber alunos de escolas e outros grupos maiores. O espaço da minha casa é pequeno, então a proposta que eu tenho no papel é de poder aumentar esse espaço e poder receber mais gente e mais conteúdo para colocar no acervo e compartilhar com as pessoas.

 

SERVIÇO:
Acervo Mucuripe: https://www.facebook.com/acervomucuripe/
E-mail: [email protected]

 

Texto: Jonathan Silva (3º semestre – Jornalismo)
Foto: Henrique Jucá

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