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PERFIL: A designer de moda que desbravou a chapelaria no Ceará

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Entrevistas

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Reconhecida nacionalmente, Jomara Cid e chapelaria são uma coisa só. A profissão é uma engrenagem na vida dela

Você sabe o que é Bespoke&Millinery? É o que faz Jomara Cid, 33, natural de Hidrolândia, interior do Ceará, a 251 km de Fortaleza. Nomenclatura conhecida na França, o Millinery trata do designer que trabalha com a chapelaria e o Bespoke é o trabalho feito à mão. Conhecida por desbravar o mundo da chapelaria no Ceará e fornecer a alta costura para famosos nacionais e locais, Jomara é considerada a Bespoke&Millinery do Estado.

Tudo começou quando abandonou dois cursos para cursar Design de Moda (Foto: Sérgio Filho)

Tudo começou quando ela estava decidida a cursar Psicologia, na época do colégio. Em determinado dia encontrou uma garota usando uma camiseta com a inscrição: “Estilismo e Moda”, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Não sabia da existência desse curso, ficou interessada em demasia e foi pesquisar. Tentou vestibular para Moda na UFC e não conseguiu passar. Pensou que não era para ser e optou por cursar Publicidade e Propaganda, na Faculdade Integrada do Ceará. Ficava idealizando, porém, como seria cursar Moda, mesmo com a sua mãe sendo contra.

A paixão pelas linhas e costuras prevaleceu. Abandonou Publicidade e entrou no curso Design de Moda, da extinta Faculdade Católica do Ceará, que era conhecida como Marista. O curso contava com a duração mínima de dois anos e meio, ofertando disciplinas sobre história da arte e indumentária, modelagens, técnicas de costuras, planejamento de coleções, empreendedorismo, produção de moda etc.

Durante o segundo semestre teve a disciplina Laboratório de Criação, onde tinha que realizar trabalhos lúdicos como roupas de arames e sapatos dos sonhos. Em um sorteio para um novo trabalho, em que teria de realizar três produtos de luxo para essa disciplina, Jomara tirou Chapelaria. “Sei o que é isso não! Só sei fazer chapéu do cangaceiro do meu interior”, disse, com bastante surpresa sobre o resultado. Realizou pesquisas e descobriu que a chapelaria não é apenas chapéu, mas, também headband, flores, casquetes, fascinator etc.

O headband é um modelo de tiara que foi utilizado bastante durante a década de 1970 e, enquanto ela estava na faculdade, tinha voltado a marcar presença na moda. Mesmo sem bastante técnica, começou a realizar headbands. Comprava o couro, cortava e frisava, realizava modelos aleatórios e depois colocava em uma caixinha e vendia por dezenove reais na faculdade.

Seu empreendedorismo começou ainda na Marista. “Ei, Jô! Vamos realizar um bazar no meu prédio, que tal?”, contou, sobre um pedido feito em 2009 por uma amiga e resolveu participar. Criou sessenta peças e realizou convites. O bazar foi um grande sucesso e vendeu todas as peças. Durante um ano e meio ficou realizando bazares para garantir uma grana extra. Com as técnicas que aprendia na faculdade, aplicava no seu novo negócio como, por exemplo, criar coleções. “Ôpa! Vou desenvolver uma coleção pra mim!”, e fez flores de cactos para os headbands, na coleção “Jardim Encantado”.

Quando estava perto de terminar a faculdade, percebeu que o seu negócio estava crescendo e decidiu criar um perfil no antigo site Orkut. Poderia, então, conseguir maior alcance de divulgação e vender para outras cidades e estados.

Também resolveu que iria se especializar na área de chapelaria. “Pensei, se quero ser chapeleira, preciso me especializar! O mercado possui livros em português sobre o assunto? Existe alguém em Fortaleza que possa me dar uma luz? Passei bastante tempo na internet pesquisando várias vezes”.

Descobriu o chapeleiro Denis Linhares, no Rio de Janeiro, e mandou um e-mail dizendo que era do Ceará, desejava fazer um curso e o link do seu blog, que tinha algumas fotos dos modelos que realizava. O chapeleiro respondeu dizendo qual semana tinha que ir para fazer o curso. Arrumou as malas e pegou o dinheiro que tinha arrecadado das vendas de suas headbands. Passou quinze dias em Copacabana, aprendendo diferentess técnicas e coisas de chapelaria que não podia nem imaginar, sempre de 9 horas da manhã até às 22 horas da noite.

Muitas de suas clientes preferem chapéis do que vestidos de noiva (Foto: Sérgio FIlho)

Voltou e trouxe bastante material do Rio de Janeiro. Todo o seu trabalho ganhou uma repaginada. Começou a realizar novidades como, por exemplo, acessórios para noivas. Até então ainda não sabia fazer chapéu e voltou para o Rio de Janeiro para realizar outro curso no ateliê do chapeleiro Denis Linhares. O trabalho era intenso, começando 7 horas da manhã e às vezes indo até de madrugada.

Voltou para Fortaleza sabendo produzir chapéus e realizou um modelo de cada que aprendeu no seu segundo curso. Decidiu ter um cantinho simples onde pudesse realizar os modelos de chapelaria. Abriu um ateliê perto de casa e começou a ter sua própria clientela.

Depois de mais de cinco anos com o ateliê e um público fixo, ela diz que tem um carinho especial pelo público de noivas. “Possuem uma ótima energia e você se sente especial por ter sido escolhida por fazer parte daquele dia tão importante”.

A designer também possui muitas histórias interessantes sobre pedidos nada convencionais. Uma noiva queria, por exemplo, um voilette, modelo que possui um véu e faz combo com chapéu ou outro acessório, todo preto e com uma caveira. O vestido da noiva era um modelo tomara-que-caia clássico e com uma cauda sereia, então elaborar um voilette estilo rock’n’roll foi audacioso e teve um resultado incrível.

Outra noiva apareceu no ateliê sonhando com o chapéu do casamento antes mesmo de ter escolhido o vestido. “Ela me disse que nunca sonhou com vestido, mas sim com um chapéu. Normalmente, criamos a peça de acordo com o vestido, mas dessa vez foi diferente. Foi uma responsabilidade muito grande, mas que conseguimos executar com sucesso”.

A experiência da designer e o conhecimento sobre a chapelaria também trazem confiança aos clientes. “Uma noiva chegou para mim e falou do vestido dela (não levou foto). Ela nunca pensou em usar um voilette, mas a convenci. Quando fui para a prova do vestido, tomei um susto, porque consegui reproduzir exatamente o que tinha no vestido dela, mesmo sem nunca ter visto. Quando coloquei o voilette, ela paralisou em frente ao espelho. A irmã dela começou a chorar de um lado e chorei do outro, porque foi uma aposta muito grande e ela ficou maravilhosa”, ressalta, com ar de felicidade.

Outro exemplo de história desafiadora foi o desfile do designer de moda e arquiteto Mark Greiner. Mark possui ideias conceituais e incríveis, perguntou a Jomara se podia realizar uma copa bem alta, como se fosse um chifre. “Era muito desafiador e gosto, pois você acaba aprendendo muito. Técnicas que desenvolvi no perrengue e não tinha nenhuma forma e, saiu”.

Atualmente, realiza apenas uma coleção por ano que define como manda o figurino da moda apenas para o segmento de noiva. O tema de 2017 é Ramani, que explora a flor de cerejeira. Lança coleções cápsulas, que são um número menor de peças e podem se associar a determinadas datas. Em geral, trabalha mais com encomendas, onde as peças são realizadas sob medida.

Ela encontra inspiração em tudo: filmes, viagens, e, até mesmo, conversas casuais podem virar uma coleção. “A mãe de uma amiga minha é contadora de histórias e me falou sobre o conto da princesa Sabitre, princesa que enganou a morte, ou seja, é um conto lindo de amor e superação. Enquanto ela falava, já imaginava a coleção. Essa conversa foi em dezembro de 2015. Quando foi em março do ano passado (2016), já estava com a coleção pronta”, confessa.

Carreira

Jomara angariou fama até entre famosos, como Wesley Safadão e Cláudia Leitte (Foto: Sérgio FIlho)

Dando continuidade aos trabalhos na área de moda, fez um curso de 7 dias na França, participou de projetos de capacitação na Central de Artesanato do Ceará (Ceart) e de projetos no Sebrae. Durante dois anos seguidos expôs sua marca no São Paulo Fashion Week (SPFW).

No SPFW foram selecionadas algumas peças para ficarem no FFW, uma loja de novos designers. Os idealizadores davam total apoio aos novos designers que tinham acesso ao backstage, à sala de imprensa, sala do SPFW, que era onde tudo acontecia. A experiência serviu para que pudesse conhecer outras influências e vivenciar de perto os bastidores de um dos maiores eventos de moda do Brasil.

O fato é que ela se encontrou na chapelaria. Não existe mais Jomara sem chapelaria e muito menos chapelaria sem Jomara. “O dinheiro é consequência do que faço, porque amo muito o meu trabalho, tanto que não sinto que é algo sacrificante. Tenho toda seriedade e profissionalismo, mas para o meu pessoal é muito prazeroso. Quando viajo ou adoeço, sinto falta de estar produzindo. A chapelaria é uma engrenagem na minha vida”, explana.

“A chapelaria é uma engrenagem na minha vida” – Jomara Cid

Nem sempre, porém, a escolha da profissão agrada a todos. Ela lemnra que, inicialmente, a mãe não queria que tivesse cursado moda, mas, do outro lado da história, o pai deu total apoio e hoje os olhos brilham ao ver o sucesso da filha. “Meu pai me disse que não existe profissão ruim para um bom profissional. Ele decidiu, então, pagar minha faculdade de moda. Sinto que ele tem muito orgulho no que me transformei, porque corri atrás dos meus sonhos”.

Aos risos, relembra uma história curiosa. Quando era criança, a irmã saiu em um jornal local, porque alcançou o primeiro lugar em redação no colégio. A mãe mostrava o jornal como se fosse um troféu para todos os moradores do município de Hidrolândia. A movimentação despertou uma vontade em Jomara, que prontamente disse: “Ei, mãe, um dia também vou sair no jornal!”. Anos depois, o sonho de criança virou realidade. Cerca de três meses após montar o ateliê, estampava a capa do caderno Zoeira, do jornal Diário do Nordeste. Graças ao seu trabalho, conquistou um espaço que sempre desejou.

O seu ateliê possui um funcionário fixo, que fica desenvolvendo os modelos. Tudo é feito à mão, desde a modelagem até a costura. Alguns modelos que possuem um processo diferente são realizados por uma costureira, por exemplo, o turbante. Possui uma parceria com o ateliê Alma Concept, da Dona Almerinda, em São Paulo. Lá são dois cearenses que vendem vestidos inspirados no estilo renascença, para festas e noivas.

Vende para muitos estados e de onde mais recebe pedidos é do Pará. “Em uma semana mandei três peças de noivas para Belém. Não sei o que acontece, mas tenho muitos pedidos de lá para homem e mulher”.

Algumas celebridades usam os seus modelos. O maior exemplo é o cantor Wesley Safadão, que usou vários modelos, ainda trouxe bastante visibilidade para Jomara e ainda o público masculino. A cantora Claudia Leitte usou alguns dos seus modelos para usar no carnaval de Salvador, recebeu a encomenda em uma ligação do seu styling. Também realizou encomendas para a apresentadora Sabrina Sato.

Amor e Profissão

Peça fundamental na história pessoal e profissional da designer de moda, Sérgio Filho, marido e fotógrafo, viu-se mergulhado no universo da chapelaria. Carinhosamente chamado por ela de “Serginho”, é considerado um fotógrafo chapeleiro, afinal, o sonho sempre foi vivenciado a dois. “Ele viveu este sonho comigo desde o início. No primeiro bazar fiz as peças, mas foi ele quem organizou tudo. O Serginho foi à floricultura, comprou um monte de flores e ajeitou o expositor. Fui para casa tomar banho e quando voltei estava tudo pronto, ou seja, ele participou de todas as etapas”, relembra.

Sergio Filho também fica responsável pelo marketing digital e pela parte de imagem do ateliê, mas muito além de toda a ajuda profissional, o marido serve como um ponto de equilíbrio para ela. “O Serginho tem uma veia artística muito forte. Como estou muito inserida no meio comercial, ele é quem não me deixa fugir desse lado artístico. Quando estou fazendo muita coisa voltada para a venda, ele pede para eu parar e criar coisas conceituais. E eu paro. Ele puxa muito esse meu lado artístico”, relata.

Ceará e chapelaria

Questionada se realmente se considera uma desbravadora da chapelaria no Ceará, não mede as palavras e relembra um comentário que marcou sua carreira. “Dessa nova geração, acho que ultrapassa as fronteiras do Ceará, porque existem poucos chapeleiros no Brasil. Uma vez uma jornalista – responsável por uma revista de noivas – falou que antes de mim não dava créditos para quem fazia a grinalda da noiva. A preocupação era o vestido, sapatos, maquiagem, mas nunca o que tinha na cabeça da noiva. Então, ela me falou que um dos motivos de assinar a grinalda hoje foi porque conheceu o meu trabalho”.

Para quem acha que é fácil viver de chapelaria, ela garante que não é. Mas, a persistência consegue ultrapassar os desafios vivenciados diariamente. “Você tem que ter muita determinação e acreditar muito no que quer. Se for desistir no primeiro obstáculo, é melhor nem começar. Não temos só o papel de vender, mas também de apresentar a chapelaria, porque, infelizmente, ainda é um produto pouco consumido e utilizado no nosso país”, reconhece.

“A gente não tem só o papel de vender, temos também o papel de apresentar a chapelaria, porque, infelizmente, ainda é um produto pouco consumido no nosso país” – Jomara Cid

O ateliê já necessita de crescimento. As inúmeras peças produzidas já pedem mais espaço. “Por muito tempo fui deixando me levar, porque tinha muito medo de apostar fixas altas num segmento que estava desbravando. Dizem, porém, que quando uma empresa já passa dos 5 anos é um bom sinal, né? Agora já posso olhar com outros olhos e planejar algo maior. Pretendo mudar, porque meu espaço ainda é de quando comecei e também quero fortalecer nosso mercado em SP.”

Antes de desbravar o mundo, ainda revela uma vontade incessante de ser mais reconhecida ainda dentro do próprio Estado. “Não basta ser chapeleira. Quero ser reconhecida no Ceará, para depois ir para outros lugares”.

 

Texto: Joseanne Nery e Isabelle Lima (8º semestre – Jornalismo)

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