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DESAFIO: Conciliar profissionalmente jornalismo cultural x política pública

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Entrevistas

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A diferença entre estar na Redação promovendo a discussão e reflexão dos problemas levantados pela sociedade, e estar à frente da gestão de uma área

A atividade de um jornalista da área cultural é embarcar nas mais diferentes manifestações culturais, como artes plásticas, música, cinema, teatro, literatura, folclore e cultura popular. Entender, criticar, analisar e tecer comentários sobre os artistas e suas obras. O jornalismo cultural abrange toda a economia, o direito, a música, a televisão e os eventos culturais, como exposições, shows e festivais, além de notícias sobre as instituições que promovem a cultura, a exemplo de secretarias e ministérios responsáveis pela cultura e suas ações políticas para promovê-las.

Jornalista e ex Secretário de Cultura, Magela Lima (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas, e quando o jornalista cultural sai da sua zona de conforto e se depara com um ambiente onde ele se torna a fonte e não entrevistado? É o caso do jornalista Magela Lima, 36, que após 11 anos de redação, sete como repórter da editoria de Cultura do Diário do Nordeste e quatro como editor do Vida e Arte do jornal O Povo, recebeu o convite para assumir o cargo de Secretário de Cultura de Fortaleza, em janeiro de 2013, no primeiro mandato do prefeito Roberto Claudio. A notícia veio de repente para Magela. “Dormi jornalista e acordei secretário”. Trocar as redações para coordenar as ações de cultura no ambiente do município é diferente, mas foi uma nova forma de conviver com a cultura e aplicar os conhecimentos adquiridos como jornalista de Cultura.

Antes sempre entrevistando e buscando melhores respostas para compor seus textos, após virar Secretário de Cultura, Magela afirma que virar fonte foi uma experiência muito rica. “O jornalista costuma ter opiniões formadas antes de apurar, e eu me dei conta disso não como jornalista, mas sim como secretário.”

Mesmo com 11 anos de atuação, Magela só conseguiu compreender, após deixar as redações, que o jornalismo cultural que é feito hoje, fala para pouquíssimas pessoas, e se equivoca. “Fortaleza é uma cidade que tem uma tradição cultural grande e forte, mas essa tradição não está nos nossos jornais; somos referência apenas fora daqui. A nossa cultura popular é uma subcultura, porque é feita pelo pobre, e a pauta para o nosso jornal é feita pela elite.”

Com a experiência na gestão da política pública, Magela descobriu novos olhares para o jornalismo que exercia. “Nós, jornalistas, somos viciados em achar que o poder público vai resolver tudo, e não vai. Você denuncia, reclama e aquilo não se resolve, e a gente se alimenta daquilo.” Disse que estar no lugar de fonte possibilita perceber isso, e que quando se tem um grande trabalho e a imprensa só aponta para o problema, nasce a sensação de que todo esforço foi em vão. O trabalho da imprensa pode alavancar ou destruir determinado assunto.  Enfatiza que “durante o período de redação eu não achava um problema o jornalista sempre focar no negativo. Hoje eu acho que tem que ser mostrada uma perspectiva de solução além do problema.”

Magela afirma que a política pública de cultura acaba não sendo realmente pública, pois existe para atender a um grupo muito restrito de pessoas. “Falta no Brasil um esclarecimento para dizer o porquê existe o serviço de cultura pública. Se já construímos relações culturais em nosso cotidiano, porque é preciso que haja garantias institucionais nessa área? Qual a necessidade de leis e políticas públicas para a cultura?”, questiona.

64ª edição do Salão de Abril, em 2013. homenageando os 70 anos do evento (Foto: Arquivo Pessoal)

A sociedade é que produz cultura, destaca Magela. O estado possui o papel de estabelecer mecanismos de preservação e incentivo cultural, o que significa dispor de recursos e instrumentos criados com a participação da sociedade como um todo. Ele dá um exemplo: “hoje se a gente chega ao Theatro José de Alencar e não tem nada passando, achamos normal; mas se nos deparamos com a falta de remédio em um posto de saúde, tem algo errado.” A esfera municipal deveria garantir ao artista pelo menos o que ele precisa para produzir, pois o principio tem que partir da gestão pública municipal. “O município começa o trabalho inicial de apoio ao artista, o estado dá condições desse trabalho se fixar, e a união permite que ele circule e faça fluir”, detalha.

O maior desafio encontrado na transição da carreira do jornalista Magela Lima foi se dar conta de que com anos de redação, cultura e participações especiais em alguma coberturas no Núcleo de Cidades, ele não conhecia verdadeiramente Fortaleza. Toda a geografia da cidade era algo desconhecido para ele, inclusive a cultura de bairros como o José Walter, pois geralmente a cultura estampada nos jornais era apenas de bairros como Aldeota e Meireles.

Com toda a bagagem cultural vivenciada por Magela, ele destaca que estar do outro lado da situação, como Secretário de Cultura, exige uma responsabilidade muito grande em intermediar os interesses da população na cidade. Toda atenção e desempenho são fundamentais, é preciso atender a um grupo. E conclui: “a maioria dos secretários administra a cultura apenas para os artistas e não para a cidade, temos que cuidar de um conjunto em si. Não se chega ao público sem o artista, mas isso precisa ser balanceado.” E como jornalista ou secretario, é importante ouvir e reconhecer todos os lados da história, afinal a cultura é para todos. Esse é o desafio!

 

Texto: Juliane Cavalcante (6º semestre – Jornalismo)

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